sábado, 30 de junho de 2007

Rabeca - um instrumento nascido na Europa

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Recife – Rabé, Rabel, Rebel, Rabil, Raben, Rabec, Rebeca, Rebeb, Rebeba, Rubeba, Rabebillo, Rebequim, Rabequim, Rabecão, Rabeca. Para um só instrumento musical, uma miríade de nomes. Sua origem, porém, é única: nasceu, com certeza, em terras árabes.
Mas descende de antigo e nobre instrumento indiano, cercado de lendas e mistérios. Nômade, percorreu caminhos e desertos, seguindo destinos impensáveis. Rabeca de caixa de charuto Pelos Mouros foi levada para a Europa, onde fez tremendo sucesso entre os menestréis da Idade Média. Freqüentou castelos e tabernas, sem preconceitos.
Ganhou irmãos – a Lira, na Espanha -, formou família e teve um bisneto, que a superou em fama e sofisticação. Nada menos que o venerável Violino de nossos dias. Segundo Mário de Andrade, no Dicionário Musical Brasileiro, Rabeca é como “homens do povo” chamam o violino no Brasil. Escreveu ele: “Nas classes cultas é voz que já não se escuta mais”.Mas a nossa Rabeca é bem mais que isso. E, cá entre nós, azar dos que a ignoram ou não a conhecem!
A origem da nossa Rabeca remonta a um antigo instrumento chamado de Ravan Hatta, tocado até hoje na Índia. Segundo as lendas mitológicas indianas, ele foi criado pelo Rei-demônio de Ramayan, Ravana. Pesquisadores acreditam que o antepassado da nossa Rabeca já existia na Índia desde 400 antes de Cristo.
Entre os séculos VI e VII, o Ravan Hatta viajou para a Pérsia junto com os árabes, que fizeram surgir o Rababeh. Com isso, esse instrumento passou a ter uma corda simples e uma caixa sonora quadrada. Atribui-se a Al-Farabi, no século X, a primeira menção ao Rababeh. Nascido em 870, em Farab, no Turbequistão, Abu Nasr Muhammad Al-Farabi viveu em Bagdá, onde aprendeu medicina com o médico cristão Yuhanna bn Haylan. Foi, também, discípulo de outro cristão Abu Bisr Matta, tradutor de Aristóteles.
Al-Farabi viveu também em Alepo e Damasco, onde faleceu aos 80 anos em dezembro de 950. Ele escreveu várias obras de filosofia, matemática e medicina, comentando as obras de Platão e de Aristóteles. Muitos desses manuscritos se perderam, só restando uns trinta em árabe, seis em hebraico e três em latim. São nesses papeis que há referências sobre o Rababeh, a nossa rabeca. Entretanto, atualmente, muitos pesquisadores afirmam que o filósofo Ali de Isphahan relatou em seus manuscritos, que o Rababeh era usado na corte de Bagdá (antiga Pérsia, hoje Iraque), dois séculos e meio antes do registrado por Al-Farabi.
Durante a invasão dos Mouros, em meados dos séculos X e XI, a Rabeca viajou para a Espanha, onde foi batizada de Rebec. Os europeus adotaram-na rapidamente, como ins-trumento musical usado pelos menestréis – tremendo sucesso entre os bardos da Idade Média. Conta-se que a Rabeca viajou por muitos castelos, até que se tornou instrumento comum a nobres e plebeus.
Quando toda a Europa passou a exigir instrumentos mais elaborados, que permitissem mais recursos sonoros e melhor execução, a Rabeca ganhou vários parentes, como a Lira, na Espanha. Foi nesse processo de crescimento familiar, que, pelas mãos de mestres artesãos italianos, descendentes da Rabeca deram origem ao Violino.
Apesar de tantas modificações e sofisticações, no interior da Europa, a Rabeca manteve a sua forma rústica, original, e passou a ser produzida por quem a tocava. Como tudo que envolve a vida da Rabeca, sua chegada ao Brasil é cercada de mistérios e imprecisões. Acredita-se que ocorreu entre os séculos XVI e XVII, no início da exploração do país por Portugal.
Construção & Afinação
No Brasil, encontramos a rabeca principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, confeccionadas por artistas populares em comunidades rurais. Há rabecas com três a seis cordas. A construção, a afinação e a maneira de tocar mudam conforme a região de origem, assim como o material utilizado na sua confecção. A rabeca tanto pode ser de madeira, de cabaça ou de bambu e o número de cordas também varia podendo ter três, quatro ou cinco cordas.
Ultimamente, tem sido difundida por músicos populares que a trouxeram para os grandes centros urbanos. A rabeca nordestina é a mais conhecida entre nós, principalmente porque os rabequeiros pernambucanos são muito atuantes: Antônio Nóbrega; de Siba (rabequeiro do Mestre Ambrósio); Mestre Salú, Nélson da Rabeca (alagoano), entre muitos.

Mestre Ferreira - O grande parceiro de Mestre Salú

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Olinda – Na Casa da Rabeca do Mestre Salú, me encontrei com Severino Ferreira da Silva, conhecido por Mestre Ferreira. Ele nos conta como foi o encontro há 42 anos com o Mestre Salustiano.
Tiago Bacelar - Como foi esse grande encontro?
Mestre Ferreira - Eu conheci o Mestre Salustiano aqui em Olinda, na época que éramos muito jovens. Estava na casa da minha irmã, quando ouvi o som de uma rabeca. Pelo que me lembro até hoje, pra essa história ficar mais completa, existia um instrumento chamado Zabumba, que naquele tempo era conhecido como Melê.
TB – Melê?
MF – O melê era feito com uma borracha e ocupava o lugar, que hoje, é do Zabumba, o forró pé-de-serra. Genuinamente, ele é composto com o Zabumba, o triângulo e o acordeão. O Mestre Salú fazia o forró pé-de-serra já com a rabeca, o melê e o triângulo. Então, voltando ao nosso primeiro encontro. Eu ouvi a tardezinha, por volta das sete horas, e me dirigi para lá. Era a outra rua e lá estava ele. Quando eu perguntei, você é da onde? Aí, ele me disse que era de Nazaré da Mata. Eu disse – Rapaz, nós somos conterrâneos! A gente era jovenzinho, muito jovem. Salustiano também me perguntou de onde eu era e
disse que era de Aliança, que nasci em Lagamar, que é um engenho, pertinho do município de Aliança. E então, a gente se entrosou e fomos acompanhar o Cavalo-Marinho Boi Matuto, que era o Cavalo-Marinho dele naquela época.
TB- E...?
MF - Fizemos o Cavalo-Marinho, eu brinquei de Rediquim, de Galante... Depois, fomos fazer uma Ciranda. Ele fez a Ciranda Nordestina e eu acompanhando ele. Então, passado um tempo, comecei a cantar ciranda com ele. E ele me disse certa vez – Ferreira, você já dá para caminhar com os seus próprios pés. Eu disse: Eu, mestre? Ele responde: Sim, você já dá. Você vai assumir o meu lugar na Ribeira, que é na Cidade Alta de Olinda. Ele cantava lá. Mestre Salú cumpriu a promessa e me arrumou um lugar para eu cantar Ciranda, Candeias. Ele disse – Você vai ficar no meu lugar aqui. Eu disse para ele: Mas, rapaz, eu não tenho terra, nem um bombo, nem nada. Aí ele disse: Fique tranqüilo, que eu dou um jeito. Foi então, que ele comprou um bumbo, um tachou, um ganzá, e, nesse tempo, ele tocava na ciranda com mais dois músicos. Mestre Salú decidiu que eu ficaria com o Pedro e ele com o Mané Bento.
TB - E foi fácil continuar sem ele, ao lado, dando apoio?
MF - Pra mim foi muito difícil, no início, cantar sozinho, sem ele. Porque junto dele era uma coisa, mas me achei só ali. Mas mesmo assim fiz a Ciranda. Depois de uns dois meses desse ocorrido, ele apareceu na Ciranda. Lá onde ele estava não teve ciranda e decidiu retornar, pois viu que em Olinda o pessoal gostava por demais da música do Mestre Salú. E hoje, nós desempenhamos juntos essa cultura viva.
TB – Mais de 40 anos de amizade... Ele deve significar muito para o senhor, não?
MF - Eu, quando falo do Mestre Salustiano, falo de uma árvore que a profundidade das raízes não tem fim. Ele vem passando o que Deus tem dado a ele pra muita gente. E Hoje, nos sábados, aqui na Casa da Rabeca, Mestre Salú repassa o Cavalo-Marinho para as crianças e os jovens. Eu garanto que ele tem muita vontade de passar essa cultura para novas gerações. Hoje, eu sou conhecido, em Brasília, no Ministério da Cultura, como Mestre de Cultura.
FB – Além de mestre rabequeiro, também Mestre de Cultura?
MF - Eu devo tudo ao Mestre Salustiano. Ele ia dar um seminário e me enviou no lugar dele. Eu agradeço tudo que eu tenho a ele, porque ele me levou sempre. Nunca quer me ver por baixo, sempre me ajudou e ainda ajuda. Todos os projetos dele, ele me coloca. Ele sempre diz: Ferreira, nós estamos desempenhando agora uma outra Cultura, que é dos Versos e Viola, onde nós cantamos de viola, como repentistas, que é uma das Culturas nordestinas. Foram embora Patativa do Assaré e vários repentistas de cordel. Agora o Mestre Salustiano está revivendo isso. Nós estamos cantando todos os domingos, de 4h às 5h da tarde. Onde tem Cultura Popular, o Mestre Salustiano está perto, está cultivando, está limpando essa terra para nascer frutos bons.

Mestre Salú - Patrimônio Vivo da Cultura Pernambucana

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Olinda – Subindo a Cidade Tabajara, no município de Olinda, em Pernambuco, nós chegamos a Casa da Rabeca do Brasil, sede do trabalho desenvolvido por um Mestre de Cultura Popular, que além de ser um rabequeiro por natureza, ajuda a manter vivos os folguedos populares para as próximas gerações. Nascido no dia 12 de novembro de 1945, na cidade de Aliança, Mata Norte de Pernambuco, o músico e instrumentista autodidata, Manoel Salustiano Soares, conhecido como Mestre Salu, decidiu, desde jovem, que viveria de cultura na capital. Com apenas sete anos, passou a ajudar o pai, seu João Salustiano, amarrando cana, enquanto através da sua própria figura paterna, conhecia folguedos como o cavalo-marinho, em Nazaré da Mata, interior de Pernambuco. Mestre Salu foi motorista profissional e vendedor de picolé. Aos 19 anos, mudou-se para Olinda, onde iria desenvolver os melhores projetos da sua vida. Hoje, prestes a completar 60 anos de idade, ganhou projeção nacional e internacional, sendo um formador de discípulos da sua arte.
Tiago Bacelar - Quais foram às influências do seu pai e do cavalo marinho na sua carreira?
Mestre Salustiano - A influência do meu pai foi muito importante. Ele foi um dos melhores toadeiros e rabequeiros do Estado de Pernambuco, principalmente da Mata Norte. Papai, sempre foi um homem que teve a preocupação de além dele saber fazer, ele tinha a preocupação de transmitir isso para os filhos. Meu pai cantando toada em primeira e segunda voz, com outros companheiros, e a rabeca na melhor qualidade, de baiano, de cavalo marinho, de chamadas e toadas. Meu pai sempre dominou, e ainda domina porque ele ainda toca muita rabeca. Aí, transmitiu para mim e eu dei carreira ao que o meu pai passou. Hoje em dia, o povo diz que eu toco mais rabeca do que ele. Ele só não aprendeu a fazer rabeca, eu aprendi. De qualquer maneira, ele é o culpado de eu saber o que sei.
TB - Quando surgiu a paixão de Mestre Salustiano pela rabeca?
MS - Rapaz, ela já entrou na vida pelo som dela, pela beleza dela, aos sete anos de idade. Agora, para eu tocar, eu tive a competência de começar com 17 para 18 anos. Um dos meus irmãos aprendeu a tocar com apenas 12 anos de idade, mas depois deixou a rabeca pra pegar numa sanfona. E eu me apaixonei; habituei-me na rabeca e dos 18 anos pra cá, eu não perdi a paixão por uma rabeca boa. E agora, eu estou aprendendo a tocar uma viola de 10 cordas. E a sanfona, eu comprei uma, mas não sei se vou ter condição de aprender a tocá-la. Verei as suas tonalidades pra quem sabe completar o meu currículo.
TB - Como o Maracatu Baque Solto Piaba de Ouro foi fundado?
MS - Ele foi fundado em um de setembro de 77. Aí, foi quando eu criei o Piaba de Ouro. Nessa época, eu já tinha influência de outros maracatus, eu brincava em muitos maracatus como o Leão da Barra, o Leão de Águas Belas, o Leão daqueles interiores por ali, o Boi de Pedro André lá do Engenho de Terra Nova. Eu já tinha uma ligação muito grande ao carnaval com o Maracatu. Com a Academia Brasileira do Bumba, aí eu disse, sabe de uma coisa, eu tenho que criar um maracatu pra mim, para eu dominar. Pior que ser dominado não é uma coisa boa, é bom a gente provar de uma participação de onde a gente seja o atuante da história. E foi o que aconteceu comigo, eu criei a Piaba de Ouro. E hoje, eu comecei com 27 componentes, Piaba de Ouro já tem 323 componentes. É o maior Maracatu do Estado de Pernambuco. Hoje, está dando continuidade com meus filhos na direção. Eles são os presidentes e os diretores. E dão continuidade, fazendo um trabalho de melhor qualidade.
TB - O que o Mestre Salustiano poderia dizer de Ariano Suassuna?
MS - Ariano é uma grande figura, um grande escritor, um grande ator, um homem que sabe de cultura, é o fenômeno do Brasil da cultura brasileira. Ele é um homem que entende das raízes da cultura. Ariano é um homem que só dá alegria ao povo brasileiro. Porque Ariano com o seu Auto da Compadecida, que ele domina muito bem, os quadros de Ariano, é uma coisa encantável, que deixa tudo mundo encantado, as aulas espetáculo de Ariano não deixa ninguém calado porque suas histórias são verídicas como uma que fala de Taperuá, das cabras dele, que ele cria lá. Ele fala com uma segurança, que a gente fica alegre. Ele vai dar uma aula espetáculo de um ou duas horas, a gente quer que ele passe o dia conversando, porque ele tem muita história boa pra passar para a gente. E Ariano, eu fui assessor especial de Ariano, aonde Ariano me deu uma grande condição de trabalho. Aonde tive o prazer durante o terceiro governo do Doutor Arraes, em 1994, onde eu tive o direito de ser o Assessor Especial na Cultura Popular do Estado de Pernambuco e seus 187 municípios. E realmente só levamos alegria para o povo, com o pequeno recurso que nós tínhamos, mas a cultura popular com Ariano Suassuna teve vez.
TB - Qual a sensação de ter sido o responsável pela formação de artistas como Antônio Nóbrega, Siba e Chico Science?
MS - Olha isso é importante, é uma herança que já vem de pai para filho. Quer dizer que é uma semente dada pelo meu pai, que tenho o dever de continuar transmitindo para eles e para outros que estão surgindo por aí como Cláudio da Rabeca, Dinda Salu, Maciel Salu, e os meninos do cavalo marinho daqui da Casa da Rabeca, que eu dou aula todos os sábados, das 18 às 21 horas. E há também muitos meninos daqui da comunidade de Cidade Tabajara, vem gente de faculdade, universitários vêm aprender o cavalo marinho, dançar, cantar, aprendendo tocar rabeca. Tudo isso que está acontecendo, está andando muito bem.
TB - Quando e como surgiu a idéia de criar a Casa da Rabeca?
MS - Olha, a Casa da Rabeca do Brasil foi um sonho muito importante na minha vida. Eu tive certa vez uma conversa com o Carlinhos Brown e Gilberto Gil em Salvador, onde até vou fazer um show lá, o povo da Bahia me trata muito bem. E aí o que acontece. Eu já tinha criado muita coisa como maracatu, mamulengo, ciranda, coco, criei o Ilumiara Zumbi com Ariano Suassuna e o Doutor Arraes em 95. Aí depois disso, eu disse, o bom seria eu criar algo privado dentro da minha propriedade, onde eu possa mostrar a cultura brasileira ao povo de um modo geral, do coco timbolado, da viola, do forró, da Uganda, do Arrasta-pé, da Quadrilha, do Bumba Meu Boi, do Cavalo Marinho, tudo isso que eu apresentar aqui, na Casa da Rabeca do Brasil do Mestre Salú, que é como a casa é batizada. E realmente começamos aqui com quatro paus, fiado e duas palhas de coqueiro em cima. Eu tocando ali no pé da calçada. E hoje, estamos com um espaço pra botar aqui três mil pessoas acomodadas, ainda está ampliando. Já tem ali uns Gaipó armados pra acabar de fazer a coberta. E agora, no próximo 12 de novembro, no meu aniversário de 60 anos, se deus quiser essa obra já vai estar concluída. E quem vir aqui, vai achar uma grande diferença do que era antigamente e o que é hoje. A Casa da Rabeca é uma coisa importante, chegam os colégios aqui pedindo espaço, eu atendo com carinho, os pesquisadores vêm aqui pra fazer uma entrevista comigo. E eu não fico me preocupando em achar um lugar que tenha silêncio, pois aqui tem o silêncio, a inspiração que surge com as árvores. Isso é tão importante para gente, até pra gente se inspirar em tocar e falar, aqui o lugar já é outro.
TB - Como nasceu o encontro da rabeca com a sanfona?
MS - Eu sempre dizia para os meus companheiros, discípulos do saudoso Luiz Gonzaga, milhares de sanfoneiros, que não tiveram a coragem de criar uma casa com a cara do sanfoneiro, que já devia ter. Tem o Forró de Arlindo dos Oito Baixos, mas não se diz que a casa dos sanfoneiros. Aí, pra eu não deixar os sanfoneiros de fora, eu procurei eles e perguntei se agente não podia fazer um encontro entre rabeca e sanfona. Que a Casa da Rabeca do Brasil vai acolher os sanfoneiros aqui, e hoje já está acontecendo com muito sucesso esses encontros. E eles participando com as melhores bandas de forró pé-de-serra daqui. Quem quer forró pé-de-serra legítimo, vem pedir aqui na Casa da Rabeca a Mestre Salú, que eu indico os melhores sanfoneiros, que é tudo passado aqui na minha mão. E provar do acorde da minha rabeca, porque tem que tocar comigo pra ver se passa no teste. Se não passar corre. Pois é, isso é que é importante e eles estão felizes com isso, de ter esse espaço aqui sábados e domingos. Todos os fins de semana têm forró aqui e besta é quem não vem pra perder essa oportunidade tão gostosa aqui, o restaurante funcionando, tira gosto de melhor qualidade, bode, macaxeira com charque, galinha de capoeira de cabidela, Jia, um prato delicioso, a calabresa, muitas coisas boas que saem aqui. E quem vem, quer ficar vindo. E por isso, eu me sinto orgulhoso aqui na Cidade de Olinda, Marina dos Caetés, Patrimônio Cultural da Humanidade, hoje, como a Capital Brasileira da Cultura. E eu fico honrado de ter essa casa aqui, atendendo ao povo olindense, pernambucano e brasileiro.
TB - Por que existe em sua opinião um preconceito por parte de violinistas ao trabalho dos rabequeiros?
MS - Não acho que seja bem um preconceito. É porque o violinista trabalha mais com música erudita e o rabequeiro é um povo semi-analfabeto, ele vai tocar a maioria das músicas de ouvido. O violinista não consegue com tanta facilidade tocar de ouvido, até porque se ele tocar de ouvido, ele vai se perder. Porque quando ele toca um frevo, um forró, esse negócio, ele não vai saber tocar. Sabe tocar a música erudita, preso àquela partitura, ele vai rubricar. Mas, de ouvido quem domina é o Mestre Salú e o povo que aprende com mestre Salú.
TB - Como foi participar de filmes como Abril Despedaçado e Moro no Brasil?
MS - Rapaz, isso é bom e foi uma experiência importante. Eu ia fazer um show e a menina me pegou na palavra. Aí ela me disse – Mestre, a sua agenda pra amanhã como é que está? Aí, eu disse – Tá livre. E domingo também, porque eu tenho um convite pra você fazer um filme no Rio de Conta, no interior da Bahia, em Vitória da Conquista. E eu quero você participando da trilha da música do Sonora Brasil, que era do Abril Despedaçado, desse filme. Indicaram lá do Mamulengo de Glória de Goitá, que o melhor rabequeiro do Brasil era você. E não tem outro pra botar essa música a não ser você. Aí eu digo – eu topo. Aí no outro dia de manhã, eu já estava voando para ir pra lá. E foi ótimo o trabalho, foi uma experiência muito boa, como naquela minissérie da TV Globo Hoje é Dia de Maria também, a novela que vai dar a segunda partida agora, dia 11. Isso acabou sendo pra muito fundamental pela experiência que eu tenho e tive, participar de vários eventos Rock in Rio e de muitas coisas de cultura diferente, mas eu não acho nada diferente, é uma troca de experiência. Cada vez que a gente troca experiência, vai aprendendo mais.
TB - De que forma o Mestre Salustiano ajuda a manter vivos folguedos como o coco, a ciranda, o maracatu, o aboio da vaquejada, o mamulengo, o caboclinho e o frevo?
MS - Com muita dificuldade. Mas, de qualquer maneira está melhorando. Vai às pessoas que gosta, nas repartições públicas como estadual e municipal, no ministério. A gente não arruma tanto, mas o pouquinho que vai arrumando, vai dando pra ir mantendo. Eu espero que vá melhorar cada vez mais porque o desenvolvimento que vai tendo como Olinda, capital brasileira da cultura. Eu espero que venha um subsídio pra gente criar alguma coisa. Eu acho que seja muito importante isso. Eu também estou disputando uma vaga a Patrimônio Vivo da Cultura, de 133 candidatos, donde serão agraciadas 12 pessoas jurídicas e físicas. Esse tipo de prêmio é importante pra gente ver que o desempenho em favor da cultura está sendo bem feito e quem vencer terá merecido, pois são iniciativas como essas que nos motivam cada vez mais a continuar. É uma abertura que estamos vendo, onde o povo vai ter vez com a cultura popular.
TB - Qual foi a sensação lançar Sonho de Rabeca, seu primeiro CD, depois de 45 anos de carreira?
MS - Eu sempre tive a vontade ver a minha música rolando na praça e como eu to vendo hoje até no exterior, já tendo a oportunidade de chegar a um americano o Maracatu de Baque Virado. Certa vez, aqui em Olinda, ele me disse que aprendeu a tocar com o Sonho da Rabeca de Mestre Salú e que se não fosse meu disco, ele me disse que não saberia tocar Maracatu de Baque Virado. E no meu CD, de tudo tem, é Baque Virado, é Baque Solto, é Caboclinho, é Boi de Vaquejada, de tudo você encontra no Sonho da Rabeca. Aí o que acontece. Isso é uma fusão de cultura popular, uma mistura muito gostosa, que chama a atenção tanto do povo brasileiro quanto do público estrangeiro. Está aí a prova, que a semente está chegando cada vez mais. O Sonho da Rabeca está fazendo mais e mais sucesso. Ainda hoje, ele vendo bem e eu já estou com um repertório bem grande de ciranda e de forró pra gravar. Eu espero que daqui para janeiro, esteja com o segundo disco na praça, tô lutando pra isso. Música dos outros, eu não sei cantar. Só sei cantar, música própria.
TB - Como foi mostrar a cultura pernambucana para países como Cuba, Estados Unidos e França?
MS - Foi muito importante porque eu como pernambucano e como agricultor, um homem lutador na palha da cana do interior da Mata Norte de Pernambuco, não tinha esperança de chegar ao exterior. A minha cidade, aqui em Pernambuco, tudo bem, eu tinha fé que poderia cantar alguma coisa por aqui. Mas, graças a deus, eu tive a sorte de levar a minha música para o exterior. Foi muito bem aceita. O povo de lá me disse que eu era o maior rabequeiro do Brasil e que a minha música era muito contagiante. E dançou todo mundo, compraram muitos discos meus. Ainda hoje, eles pedem disco pela internet, e eu mando pelo SEDEX, o CD que eles pedem. E quando os turistas vêm pra cá, comprar o CD para eles, levam pra seus países outros CDs, pois conhecidos deles pediram para comprar. Isso é uma prova que a minha música agradou ao público europeu, norte-americano e cubano.
TB - Como o pai de 15 filhos de nove mulheres tenta manter viva a tradição popular na família?
MS - Isso pra mim é o mais o importante. É uma prova que a cultura se mantém viva mais forte. Porque manter cultura com gente estranha é difícil, inclusive quando chega o momento de ganhar dinheiro. Sendo dentro da família, é mais fácil de conciliar isso. Nove filhos fazem parte dos meus espetáculos. E realmente todo mundo vê, é show. Todo mundo que vê diz que é dos melhores shows que o povo já teve. Aqui mesmo em casa, quando eu faço um espetáculo, o povo fica encantado de me ver fazer uma apresentação, de ter aceitação em Pernambuco e de ter aceitação fora. O povo lá de Salvador mesmo, fica ligando direto. Doido que chegue logo pra tocar novamente para o povo baiano, levando o coco, a ciranda, o forró pé-de-serra, o maracatu, o baque solto, o baque virado, o caboclinho, boi de vaquejada, e tudo mais da mais pura cultura pernambucana.
TB - Como foi para o Mestre Salustiano receber títulos como o de Doutor Honoris Causa pela UFPE, em 1982, e a Comenda do Mérito Cultural Brasileiro do então Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, em novembro de 2001?
MS - Isso foi pra mim mais um conquista em minha vida. Porque eu realmente não esperava chegar tão fácil e cheguei. Fui um dos escolhidos. Eu fui agraciado, como outros artistas como João Câmara e Ariano que já recebeu em 98, com esse título. Eu não tive a oportunidade de cursar uma faculdade, e hoje, eu dou aula em universidades, aulas espetáculos, quando me chamam. E com certeza, é uma vitória muito importante, pois apesar não ter ensino superior, eu tenho a faculdade da vida. É o reconhecido saber. E eu falo do que aprendi fazer com muita segurança. Aí o povo me diz – Mestre, você pesquisou com quem? Aí, eu digo – Eu não pesquiso, eu sou pesquisado. Isso é muito importante, pois eu convivo com a cultura, nasci com ela e com ela eu vou me permanecer até quando eu me levar daqui. Aí, quem vem até mim, não sai com o saco vazio, sai de saco cheio. Porque é muita coisa que eu tenho na bagagem. Já o prêmio que recebi do Presidente Fernando Henrique foi muito gratificante receber a minha medalha, o meu diploma, que está até hoje pendurada na parede do meu escritório. E quem vê fica encantado de um homem tão simples como Salú, que tem os melhores presentes em cima do seu escritório que nem todo mundo tem.
TB - Como funcionam as oficinas ministradas por Mestre Salustiano de confecção de rabecas?
MS - Além de eu fazer rabecas, gosto de ensinar o povo a fazer, tanto gente da comunidade como meus filhos. Hoje, eu tenho um filho que faz rabeca, que é o saluzinho. Ele já faz rabeca melhor do que eu. Rabeca muito bem acabada, muito bem feita, muito bem aperfeiçoada. E as melhores rabecas é ele que está fazendo. E eu continuo ensinando. As oficinas estão abertas pra quem quiser aprender como produzir uma rabeca porque para eu fazer foi difícil. No início, eu quebrava uma para fazer outra porque quem sabia não queria ensinar a fazer por achar que com isso perderia espaço no mercado. Mas, tem que botar na cabeça, todo mundo, que o nosso planeta tem um espaçozinho meio complicado para cada um desempenhar o seu trabalho. Eu vejo, por exemplo, esse povo, principalmente do interior, com a cabeça fechada, que não teve um estudo para saber como desenvolver um trabalho. Mesmo na ignorância deles, eles tinham lá sua razão. Porque hoje vem gente do exterior sugar Mestre Salustiano, faz entrevista, faz livro, faz tudo, e nem uma revista de lembrança manda para o Mestre Salú. Isso acontece, como também pode acontecer com os outros. Agora, quando estou viajando, busco trazer pessoalmente esse material para guardar nos meus arquivos. Não fico mais preocupado com isso.
TB - Para finalizar, como o Mestre Salustiano analisa a política de incentivo a cultura popular em Pernambuco?
MS - Olha, ela está andando e eu acredito que ela ainda vá funcionar em sua plenitude. Porque não é uma coisa ligeira, não algo fácil. Inclusive para se lutar com um negócio pra lá de irritante chamado burocracia. E quem faz a cultura popular, é em sua maioria só gente semi-analfabeta. Seria essencial ter uma pessoa que saiba lidar com projeto de financiamento de cultura, para nós, os autores da matéria-prima. Mesmo assim, a agente já tem um produtor, uma pessoa, que entenda de burocracia, e a política de incentivo, já está aí, ela está funcionando. Já tem vários pontos de cultura no Estado funcionando como em Aliança, existe o Funcultura liberando verbas para alguns projetos, a gente não pode dizer o Governo não está fazendo nada. O dinheiro não chegou ainda na minha mão, mas está pra chegar. Hoje, eu não estou achando mais difícil manter a cultura popular viva em Pernambuco.

A Percussão Erudita de um Recifense


Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
RECIFE – Em plena Veneza Pernambucana, encontramos o Centro Profissionalizante de Criatividade Musical (CPCMR), iniciado na gestão do então Governador Roberto Magalhães e fundado em março de 1987 no governo de Gustavo Krause. Localizado na rua da Aurora de número 439, o CPCMR forma 1500 jovens por ano com a ajuda de diversos professores, dentre eles, o músico de Fagote e Contra-fagote da Orquestra Sinfônica do Recife, Manuel Nascimento Neto, que dar aulas de harmonia, de composição, de contraponto, de fuga e de orquestração. Nas horas vagas, arruma tempo ainda para construir instrumentos de percussão como a Marimba e o Xilofone e repassar o que sabe para os alunos do CPCMR, onde conversei com esse personagem que luta para fortalecer a música erudita no Brasil.
Tiago Bacelar – Professor Manuel Neto, quando começou o seu interesse pela música?
Manuel Neto – Foi desde criança, eu já nasci assim...Tem a minha família que era de origem de músicos e eu segui essa mesma carreira. E estou aqui fazendo o que mais gosto.
TB – Como surgiu a idéia de produzir instrumentos?
MN – Em 1978, eu fui estudar na França, no Conservatório Nacional de Paris...E lá, eu observei esses instrumentos todos....Alguns exóticos como o Contra-Fagote. No caso, eu fui para lá estudar o Fagote e o Contra-Fagote. Quando eu cheguei lá, eu vi a Marimba, o Xilofone, que eram instrumentos que nessa época não existiam aqui no Brasil. Eu só tinha visto através de livros. E fiz essa parte de luteria lá e estudei, mas, quando eu cheguei aqui em Recife, o professor Barreto da Orquestra Sinfônica me lançou um desafio porque eu tinha estudado mecânica.
TB – E qual a importância da mecânica na fabricação de instrumentos?
MN - Mecânica é a base de todos os instrumentos da forma que a Física Acústica. Então, já tinha tido experiência com a fabricação do Fagote, com bocais de trombone, de tudo, através do Professor Flávio Fernandes. E olhei aquilo, achei que era fácil de se fazer. Aí eu disse – Não eu faço!!! Aí eu comecei a fazer. Mas, existem segredos de fabricação que só os grandes Mestres sabem. Passei cinco anos, pesquisando, até descobrir a maneira de como fazer junto com a Equipe de Engenharia Mecânica da Escola Técnica Federal daqui de Pernambuco. Foram eles que me deram apoio nesse meu projeto, pois só foi através desses estudos e professores que eu consegui chegar com a mesma qualidade do europeu.
TB – Por que esse instrumento tem uma qualidade tão boa?
MN - Então, veja meu rapaz, o Xilofone que eu fabrico tem a mesma qualidade que o importado, talvez até melhor, pois a madeira é brasileira. Em minha vida, eu tive que estudar a madeira, fibra de madeira, tive que ter aula com vários professores, dentre eles o que mais me ajudou foi o Professor João Batista, que é Lutier. Ele foi um verdadeiro mestre para mim e vou agradecer eternamente a ele. E agradeço também ao meu grande mestre que me ensinou tudo de mecânica, de tornearia, de técnica de fabricação de instrumentos, que foi o professor Abinael Manso, que está falecido. Mas, que eu rendo essa homenagem a ele.
TB – Como é o processo de fabricação do Fagote e do Contra-Fagote?
Bem, em parte, ele é artesanal, mas a gente usa máquinas apropriadas para isso como o torno mecânico, que tem o todo computadorizado e o manual. Que a gente programa, e o torno mesmo faz com ferramentas especiais, com uma madeira especial também, você tem que conhecer bem de madeira. Se você não conhecer bem de maderia não funciona e a madeira tem estar bem aclimatada. No caso do Brasil, não tem nenhum problema. O torno mecânico é uma máquina extremamente versátil utilizada na confecção ou acabamento em peças dos mais diversos tipos e formas. Esta máquina ferramenta permite a usinagem de qualquer componente mecânico que possa ser utilizado pelo ser humano. Um torno mecânico possibilita a transformação do ferro bruto por exemplo, em peças que podem ter seções circulares, e quaisquer combinações destas seções. Através deste instrumento de transformação é possível confeccionar eixos, polias, pinos, qualquer tipo possível e imaginável de roscas, peças cilíndricas internas e externas, além de cones, esferas e os mais diversos e estranhos formatos.
TB – quais são as peças usadas na fabricação do fagote?
Basicamente, se usa a madeira. Mas, as peças em si são segredos industriais, que eu não posso estar falando assim. Mas, são ferramentas que se usa normalmente. Isso são coisas que passa de pai para filho. E ele não passa para ninguém. Há não ser que você encontre um professor aposentado, que já trabalhou lá, que não tem mais nenhuma ligação com a empresa. Aí eles te ajudam, paga eles e eles te ensinam como foi o meu caso. Eu dei a sorte de encontrar um professor dessa maneira.
TB – Qual a origem da Marimba?
MN – Alguns teóricos dizem que a origem primitiva da Marimba é africana, mas também existem versões que ela teria vindo com incas lá na Guatemala, na América Central. Ela apareceu na Europa no século XIV e foi se desenvolvendo até chegar aos grandes fabricantes como a Kolberg, a Begerout e a Busser.
TB – E o Xilofone?
MN – Tem a mesma origem que a Marimba porque na realidade o Xilofone é como se fosse uma Marimba pequena, tem as teclas menores. É a mesma técnica de fabricação da Marimba.
TB – Qual a importância da Marimba e do Xilofone numa Orquestra como a Sinfônica do Recife, que você faz parte?
MN – É a base de toda instrumentação no que diz respeito a percussão. Posso citar Ravel, Debussy, Stravinsky, todos eles usaram Xilofone e Marimba em suas obras. Aqui em Recife, o ponto de referência na produção desses instrumentos é a Escola Técnica Federal, o Cefet. E quando uma Orquestra vai a tocar a peça de um compositor desse, que exija Marimba e Xilofone, e não os utiliza, a execução fica nula, fica um buraco, fica neutra, porque o compositor quis daquela maneira. Então, toda a Orquestra tem que ter o Xilofone, a Marimba e outros tão importantes como o Glockenspiel, o vibrafone, a Celesta, enfim todos os instrumentos de percussão. Se não tiver, não é Orquestra de verdade.
TB – Como foi que iniciou a compôr trilhas sonoras para cinema?
MN – Primeiramente, posso afirmar que sou um dos únicos músicos eruditos no Brasil a fazer isso. Eu estudei na França com Michelle Legrand e com Charles Henri. Tentei fazer esse projeto em Recife, não me apoiaram, acabei fazendo no Rio Grande do Norte. Toda semana eu vou para lá na Fundação José Augusto, fazer esse projeto de Trilha Sonora, que é o mais importante para o cinema.
TB – Por que a trilha sonora é tão fundamental assim?
MN - Os cineastras brasileiros ainda não compreenderam isso. O cinema brasileiro, apesar de estar se desenvolvendo, é apenas um grande show de cantor. Cinema de verdade, como é o cinema americano, o cinema francês, que se usa para a trilha sonora uma Orquestra Sinfônica. Não é pegar um cantorzinho com um violão cantando e ir lá e falar que isso é trilha sonora. Isso é uma grande piada, simplesmente uma grande piada. Se eles não mudam a cabeça, o Brasil nunca vai ser nada, não vai ganhar nada, em termos de Oscar, em termos de cinema não vai desenvolver. Eu mesmo comecei a me dedicar a isso, antes mesmo de ir para a França, em 1975, na época da enchente de Recife, fiz a trilha sonora de um dos programas do Globo Repórter daquele ano.
TB – E como você foi chamado para compôr para o Globo Repórter?
MN – Naquele tempo, tinha um cineasta que eu conhecia, o Roberto Menezes, que na época era também um dos diretores da Rede Globo. E que certo dia, me viu eu compondo e me encomendou que fizesse a trilha sonora. Fiz e o pessoal acabou gostando. Aí viajei para a França, e depois musiquei vários filmes como os de Geneton Morais Neto, que foi uma das pessoas que mais me incentivou a seguir carrreira nessa área, a estudar trilha sonora para cinema. Há uns três ou quatros anos, produzi uma trilha sonora de um especial da BBC de Londres sobre Francisco Brennand, o escultor, cuja direção era de Guel Arraes e Geneton Morais Neto. Eles me encomendaram e eu fiz.
TB – E você sente algum problema em compor para cinema?
MN - A dificuldade que eu sinto é estar isolado aqui no Nordeste. O cineasta não tem a mentalidade de entender o quanto a trilha sonora é importante para o cinema. Eles são tapados. Então, eu estou pegando no deserto, o que pode acabar no futuro me cansando disto tudo. Talvez, só quando eu ganhar um oscar pela trilha sonora é que esse pessoal vai compreender que eu tinha razão. Eu passei 20 anos tentando colocar na cabeça das pessoas que fabricar instrumentos no Brasil era importante. Ninguém deu importância a isso. Tive que gastar do meu bolso para pesquisar. Fui por necessidade ao Centro de Pesquisa da Bahia e na época me ameaçaram de perder o lugar que tinha na Orquestra Sinfônica aqui do Recife.
TB – E o senhor chegou a ser demitido?
MN - Só não perdi, porque uma grande figura, o Deputado Estadual Gilberto Marques Paulo, me defendeu. Foi lá na Prefeitura, fez de tudo para que eu não perdesse o meu emprego. Me ameaçaram de demissão porque eu estava indo pesquisar uma coisa que era importante para o futuro do Brasil. Como esta aí provado nos Xilofones, nas Marimbas, nas Flautas, que eu fabrico, tudo de alta qualidade. Inclusive agora eu vou exportar para a Rússia. Tão comprando o que faço. Todos os instrumentos da Orquestra Sinfônica daqui como os de metais - Trombones, Trompas, Tumbas - e outros de percussão. Todos estão tocando com o meu sistema. Abandonaram o sistema americano porque o meu é o melhor. Agora se eu não tivesse ido para a Bahia pesquisar ou tivesse sido demitido e aí. E agora o que é que seria. Tem que ter consciência que essas pessoas no governo só estão ali para atrapalhar. Eu não, eu vim aqui, eu sou um cara sério. Estou aqui para trabalhar e mostrar o meu trabalho. E fazer com que esses instrumentos custem a metade do preço para ajudar os músicos brasileiros. E as pessoas não entenderam isso ainda.
TB – Como funciona o Centro de Criatividade Musical?
MN – Ele abrange toda a Rede Estadual de Ensino e os alunos vem aqui estudar de graça. Acho um absurdo esse abandono do governo conosco. Faltam professores de diversas áreas como de trombone, de trompete e de clarineta. Eles deviam deixar essa imbecilidade de lado e ver que a única coisa que recupera com mais facilidade as pessoas é a música. Porque ela funciona como um mantra. Se você está aqui estudando seu instrumento por quatro ou cinco horas, para tocar, você tem que ter uma condição boa de saúde, de respiração, livre de doenças, porque se não você não aguenta. E o que acontece, esses jovens passam esse tempo se concentrando, então eles acabam esquecendo drogas, isso tudo. Você está tirando ele da rua, está dando uma profissão. E esse governo não faz nada, está arrasando com essa escola, acabando com essa escola que forma 1500 jovens por ano. Esses garotos são super inteligentes. A gente está dando uma vida digna para eles e o governo quer tirar eles daqui, jogar eles na rua, para que virem marginais. O governo deveria olhar para o próprio umbigo e investir mais nesse centro que é importante para a renovação da música erudita em Pernambuco e por que não do Brasil.

O Mundo dos Fanzines Japoneses

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
In Memoriam de Yoshihiro Yonezawa (falecido em 2006)
Entrevista feita por e-mail em 2005.
Com o aumento crescente de fãs no Japão é natural haver um interesse em desenhar mangás. Na terra do sol nascente, essas produções amadoras são chamadas de dojinshi e aqui no Brasil de fanzine. No Japão, o fanzine surgiu nos anos 60, pelas mãos do fã-clube oficial de Osamu Tezuka, criado pela própria Mushi Productions.
O objetivo deles era cultivar a amizade entre os fãs e os artistas, através de um veículo capaz de promover o estúdio junto aos leitores japoneses. Quando isso aconteceu, Osamu Tezuka quis publicar a revista Com, no intuito de gerar o surgimento de publicações de novos talentos para renovar o mercado editorial nipônico. Com o sucesso imediato, Tezuka e Masaki Mori passaram a trabalhar essa idéia, juntamente com os estudantes.
Apesar da tentativa de tezuka, os primeiros fanzines acabaram sendo feitos por desenhistas profissionais. Esse movimento gerou no final da década de 60 uma pequena explosão de fãs-clubes por todo o Japão. Seus integrantes passaram a produzir fanzines, que muitas vezes só circulavam entre pequenos grupos. Nesses passos iniciais do mangá amador surgiram grandes talentos como Hagio Moto, Fumiko Okada e Shinji Nagashima.
Até o começo dos anos 70, havia poucos fanzines publicados e clubes em atividade no Japão. Eventos de grande porte eram raros e mal organizados. Os fanzines tinham tiragens muito pequenas, e, em geral, eram produzidos por desenhistas profissionais que os faziam em seus momentos de folga e distribuíam entre si.
As produções feitas por estudantes raramente saíam da própria escola onde estudavam. Por outro lado, isso começou a mudar, quando três jovens de apenas 20 anos, Teruo Harada, Jun Aniwa e Yoshihiro Yonezawa decidiram tentar estabelecer o fanzine como forma de expressão artística legítima, objetivando buscar caminhos para a criação de um mercado com potencial de crescimento.
Por idéia de Yonezawa, o grupo decidiu organizar seu próprio evento de fanzines. Assim, surgiu em 21 de dezembro de 1975, a Comic Market, que ficaria conhecida como Comiket. Sua primeira edição foi realizada em Tóquio, e reuniu pouco mais 700 pessoas e cerca de 30 desenhistas. “Eu queria dar um espaço ideal para os mais jovens para eles mostrarem ao público suas criações no formato de mangá. Nele, eles poderiam trocar idéias para se aperfeiçoarem e também venderem a pequena tiragem dos seus dojinshis. Nesse período, o dojinshi não era considerado rentável para muitos mangakas amadores, pois para eles só vendiam os produzidos por desenhistas profissionais. Pensando em resolver esse impasse, eu criei com meus dois colegas de trabalho uma melhor divisão para os três dias da convenção. No primeiro haveria espaço para paródias de famosos mangás e Animês. No segundo teria os baseados nos jogos de vídeo-game. Por fim, no terceiro e último, abriríamos uma lugar para os dojinshis de roteiros originais, produzidos por amadores e profissionais”, contou Yoshihiro Yonezawa, Presidente da Comic Market.
Em agosto de 1986, a Comic market foi para o Harumi International Trade Fair Center, considerado na época o maior centro de convenções do Japão naquela época. Nesse grande período em que esteve no Harumi, a Comic market chegou à marca de 35 mil pessoas e quatro mil desenhistas. Com essa repercussão gigantesca, a Comic market deixou de ser uma mera convenção para se tornar uma empresa com sede própria e respeitada por editoras e desenhistas. Em virtude disso, Yoshihiro Yonezawa se tornou o presidente definitivo da empresa organizadora do evento. a convenção e também empresa, Comic market, conquistou, nesse período, sua posição como o principal pólo de encontro de fãs e de mangakas amadores no Japão.
A Comiket foi e é algo muito mais do que um simples local para se vender dojinshi. A partir da 50ª edição, realizada em agosto em 1996, a Comic Market mudou-se definitivamente para as dependências do Tokyo Big Sight, o maior centro de convenções de Tóquio, com cerca de 250 mil metros quadrados. Em 2005, o número de visitantes chegou a 510 mil pessoas e o de artistas vendendo seus fanzines a 35 mil. “O nosso principal intuito era oferecer também algumas oportunidades únicas aos amadores para expor e vender suas histórias. Além de dá-los a chance de conhecerem e trocarem idéias com outros artistas, buscando assim o desenvolvimento de sua carreira como desenhista”, disse Yonezawa.
Dependendo da fama do autor, essas publicações podem se esgotar logo no primeiro dia. A quantidade de exemplares vendidos chega a 10 milhões nos três dias da feira. Qualquer pessoa do ocidente, não acostumada com essas cifras, ficaria assombrada com a grandeza desses números da Comic market. Com todas as propostas cumpridas, o grupo provou que suas idéias estavam certas. Eles conseguiram transformar a Comic market num berço para o surgimento de novos talentos no mercado. Isso pode ser comprovado pelos próprios olheiros enviados pelas grandes editoras para o evento.
Os olheiros compram fanzines de desenhistas promissores para uma análise do seu conteúdo. Caso seja uma grande promessa, ele passa a ser disputado literalmente a tapa, principalmente, pelas editoras Shueisha, Shogakukan e Kodansha. Para tanto, elas oferecem mordomias, prêmios por produtividade e até uma comissão de lealdade, se o artista desenhar mangás para ela com exclusividade.

O contato com o desenhista é feito normalmente pelo telefone ou através do envio de um editor da editora a sua residência. Existem alguns casos registrados, que o fanzineiro diz não a proposta oferecida pelas empresas. As razões são várias. Desde o não interesse do autor em se profissionalizar, por desejar manter sua independência e liberdade de criação de suas histórias ou simplesmente porque o que ganha vendendo seus fanzines é mais que suficiente para sobreviver. No Japão, todos os artistas de renome, já passaram pela fase do fanzine, dentre eles: as garotas do Clamp, Kia Asamiya, Naoko Takeuchi e Watsuki Nobuhiro. Tudo isso prova o quanto a comic market é importante para o mercado editorial de mangás no Japão. Normalmente, o público que consome fanzines não é o mesmo que compra os mangás comerciais.
Isso ajuda principalmente numa divulgação gratuita das obras que se utilizam desse veículo. No Japão, o dojinshi só ganhou grande destaque na mídia e perante os otakus, depois do surgimento da maior convenção e feira do gênero no Japão, a Comic Market. A Comic market foi responsável pelo surgimento de um mercado editorial paralelo e auto-suficiente, quase rivalizando com os mangás, publicados pelas grandes editoras. A razão para isso é o fato desses fanzines possuírem um público fiel e certo para consumi-los. “Até hoje, o sucesso da Comic market deve-se a sua proposta de incentivar a criação de histórias novas e originais, que renovem o mercado de mangás. Para nós, não importa que a filosofia dos fanzines mude por pressão da indústria cultural de acordo com a cultura pop, pois a empresa Comic Market nunca vai mudar suas linhas de pensamento”, disse Yoshihiro Yonezawa. Pode-se concluir que o futuro dos mangás está nas mãos do dojinshi. Nesse exato momento, em alguma convenção no Japão, podem estar vários desenhistas de talento desconhecidos, que um dia, podem vir a serem tão famosos quanto um Akira Toriyama, ou, um Katsura Masakazu.

Uma paixão que vem do Oriente

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Hoje em dia, termos como animê, mangá e J-pop estão cada vez mais populares entre fãs de produções japonesas no Brasil. É interessante ver como um produto da indústria cultural oriental, cheio de diferenças em relação aos quadrinhos americanas e franceses, está conseguindo crescer a cada ano em todo o mundo. Essa popularização acaba refletindo no próprio Japão, onde palavras com conotações negativas estão mudando para positivas.
Um exemplo disso é o termo otaku, que no seu sentido original nipônico clássico (お宅 - polido) quer dizer “sua casa”, “seu lar”. Nos anos 70, com crimes cometidos por otakus no Japão, a sociedade nipônica transformou a palavra numa gíria (オタク) com o significado de “fanático”, “nerd”, “indivíduo sem vida social” ou “entusiasta”. Dessa forma, fanáticos por mangá, armas militares e fotografia passaram a não ser aceitos pelas empresas, com medo que eles cometessem algum tipo de delito por causa de sua paixão. Essas pessoas ficaram isoladas da sociedade em guetos.
Com o passar dos anos, veio à popularização do mangá no mundo, e a palavra otaku passou a ser utilizada, principalmente em países como Brasil, Espanha, França, Itália e Estados Unidos, para designar os fãs de animes e mangás (漫画ファン), sendo eles fanáticos ou não. Atualmente, no próprio Japão, estão surgindo iniciativas como as de Toshio Okada, um dos fundadores da Gainax, que aceitou ministrar um curso na Universidade de Tóquio sobre o universo Otaku. O seu objetivo principal é tirar dos fãs japoneses a conotação negativa do termo, através da conscientização de todos os ramos da sociedade sobre a importância dessa área de mangá e anime para a economia japonesa. Em linhas gerais, ele busca o respeito da população junto a esses fãs.
Outro exemplo que está ajudando a quebrar com o preconceito é a novela Densha Otoko, grande sucesso atualmente no Japão, que mostra o romance entre uma garota “normal” e um otaku. Iniciativas como estas mostram o quanto o mercado está vendo a importância e a relevância desses consumidores para os seus negócios. As empresas voltarão a empregá-los, por seu grande conhecimento num determinado assunto, acabando-se aí com o preconceito existente a essas pessoas, por causa de poucos indivíduos com sérios distúrbios mentais. Acho o cúmulo do ridículo, generalizar todos os fãs como loucos e criminosos. No Brasil, aconteceu algo semelhante, com os fãs de RPG, que passaram a ser nomeados como assassinos, devido a loucura cometida por indivíduos em apenas dois casos.

Super-heróis Japoneses Conquistam o Recife

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Publicado em 2005 na extinta revista de cultura on-line Entre Palavras E-zine
Cada vez mais populares no Brasil, as convenções de quadrinhos e desenhos japoneses não param de ganhar adeptos. Em São Paulo, o Animefriends de 2005 conseguiu atrair para a sua terceira edição, realizada neste ano, 42 mil pessoas, em apenas quatro dias, tornando-se o maior evento do gênero da América Latina. No Recife, depois do Omake, atrair quase três mil pessoas, em sua quinta edição, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os recifenses tiveram a oportunidade de acompanhar o segundo Superherocon, realizado no Teatro do Parque.
“O Superhercon virou realidade em 2004. Por gostar dessas produções desde criança, sempre tive vontade de juntar os fãs de Recife num evento profissional, que atraísse a atenção dos patrocinadores para os quadrinhos como cultura, desde a Secretaria de Cultura do Governo do Estado até um veículo de comunicação, e isso fosse divulgado em jornais, em rádios e na TV. A possibilidade de trazer convidados de fora foi a cereja que faltava ao sorvete”, explicou o organizador Fabbio Vila.
A história desses eventos em Recife é bem recente. No período de 1994 a 96, os fãs de Recife tinham muita dificuldade em se encontrar. Muitos nem sabiam se existia algum clube que os representasse. Um dos primeiros grupos da Veneza Pernambucana foi o Animangue, criado no final de 1997, por Paulo Krono. Desde a sua criação, o Animangue procurou promover eventos, no intuito de disponibilizar séries inéditas, por aqui no Brasil, para os fãs pernambucanos.
Isso era necessário para suprir a falta de conhecimento da maioria dos fãs tinham de como obter mais informações das séries lançadas no Japão, seja pelo pouco acesso a internet, seja pela falta de revistas informativas de qualidade na época. "Esse clube surgiu para criar algo que fosse especializado na divulgação do anime e mangá como forma de expressão. Era a maior festa quando eu encontrava com um otaku (fã de anime) perdido por aqui. Ele me apresentava os seus amigos, e, ficava aquela comunidade reservada, uma coisa muito limitada. Como conhecia muita gente que tinha um grande conhecimento a respeito e gostava do tema, eu decidi que era chegada à hora de ter algo descente por aqui", contou um dos fundadores do Animangue, Paulo Krono.
Quando tinha apenas nove anos, Paulo ficou impressionado e fascinado com o anime Akira. Desde então, ele passou a ter interesse em conhecer outras obras parecidas com aquela. "Mesmo novo, aquilo ali para mim era incrível. Quando fui atrás, vi que era muito difícil de conseguir. Dessa forma, eu passei a querer disponibilizar algo novo para os fãs de anime que eu conhecia. Eu fico feliz em ver a satisfação das pessoas ao conhecerem um anime que não conheciam. É legal quando alguém passa a gostar mais ainda de desenho japonês depois de visto a minha exibição. Afinal, os fãs de Recife são como se fosse uma grande família, uma comunidade com um interesse em comum, nesse estilo único que é a animação japonesa", explicou Krono. Em 1997, o Animangue realizou o Mercado Animangue, na Fundação Gilberto Freyre, em Apipucos, no Recife.
"Nós exibimos vários animes. Foi improvisado, mas foi uma experiência muito legal. Todo mundo que participou, viu que aquilo tinha sido feito de fã para fã. Mesmo não tendo experiência profissional na organização de eventos, a gente se esforçou para divulgar o anime, disponibilizar séries novas e conhecer o máximo de pessoas que pudessem ajudar naquilo ali. Porque a idéia mesmo era criar alguma coisa grande, e, tínhamos potencial para isso", relembrou Paulo. O Animangue foi um dos responsáveis pela ampliação do número de eventos em Recife, sendo um referencial no Nordeste.
A Cooperativa de Anime e Mangá de Pernambuco, Campe, foi fundada em 1999 por Pedro Augusto, atual presidente do grupo, que, no ano seguinte, conseguiu realizar seu primeiro evento, sendo sediado numa escola pública com direito a exibição de animes e concurso de cosplay. Atualmente, o clube tem 24 integrantes. Esses passos iniciais dos eventos de anime e mangá, em Recife, abriram espaço para o surgimento da primeira convenção de grande porte, o Omake, iniciado em 2001. “Eu e Cláudio, principalmente, a gente conversou muito em fevereiro daquele ano. Nós nos perguntamos por que aqui não tinha nenhum evento regular. Antes, tivemos muita coisa mal divulgada, eventos menores mais de bairro e outros que tiveram alguns complicadores para dar errado. Nosso objetivo, ao levar adiante o Omake, foi ter alguma coisa de anime por aqui, reunir os fãs de anime e popularizar entre o pessoal que não conhece ainda”, explicou o presidente do Omake, Rodrigo Ishizaka.
Com a consolidação do evento em 2001, o Omake permaneceu por mais um ano na Fundação Gilberto Freyre, depois foi para a Fundação Joaquim Nabuco, a Faculdade de Administração da Universidade de Pernambuco (UPE), indo finalmente para a sua derradeira sede no Centro de Convenções da UFPE. O sucesso dessas convenções trouxe como conseqüência a vinda de convidados de outros estados, a exemplo da Superherocon, que em sua segunda edição, contou com a presença dos dubladores de animes, Marcelo Campos e Gilberto Barolli. “Eu comecei na dublagem em 1957. Como curiosidade, na série japonesa “a Princesa e o Cavaleiro” exibida por aqui pela TV Tupi, os primeiros 35 episódios da série foram dublados pela Cinecastro, de São Paulo. Os 17 restantes foram parar em minhas mãos sem áudio e roteiro das falas. Dessa forma, tive que assistir o material da Cinecastro, e a partir daí, construir as falas dos outros. Foi muito trabalhoso, mas o pessoal acabou adorando”, contou Barolli.
Para Marcelo, “a dublagem de um anime exige um trabalho de muita responsabilidade por parte do diretor, em virtude de existir um público muito exigente do lado de fora do estúdio, que quer um trabalho descente de adaptação, desde os nomes dos personagens até as falas. Depois de fazer trabalhos como o Shurato, o Trunks, o Yugi, e agora o Edward no Fullmetal Alchemist, vejo o quanto os fãs foram importantes para os dubladores brasileiros, pois eles deixaram de ser meras vozes para ganhar um rosto e um nome real. Esse reconhecimento me deixa muito gratificante de continuar trabalhando como dublador, ficando cada vez mais forte nesses eventos de anime”.
Outra presença forte em Recife foi à vinda da pesquisadora e autora do livro “Mangá o Poder dos Quadrinhos Japoneses”, Sônia Bibe Luyten, em 2004, durante o Festival Internacional de Quadrinhos, que ocorre todos os anos na Torre Malakoff, centro do Recife. “A arte de contar as histórias por meio de desenhos no Japão começou há muito tempo com Katsushita Hokusai no século XIX, através da série de 15 volumes da arte em madeira do ukiyo-ê, chamada de Hokusai Manga. Até hoje, o mangá é usado para fazer campanhas políticas, ensinar a praticar esportes e até mesmo dar noções básicas de matemática para as crianças. Eles podem abordar também temas polêmicos como a pornografia, o complexo de lolita, a religião, o homossexualismo, as drogas, a violência urbana, o esoterismo, e principalmente a vida cotidiana do povo japonês. Poder-se-ia dizer, que tudo vira mangá. A diversidade de assuntos é bem vasta se comparada com a dos quadrinhos ocidentais, além da própria linguagem universal, visual e cinematográfica voltada para todos os gostos e idades”, explicou Sônia Luyten.
O dublador Marcelo Campos acha que a dublagem brasileira “é, hoje, um produto como qualquer outro. Todos buscam o menor custo sacrificando a qualidade. Os responsáveis por isso são todos os envolvidos no processo: da distribuidora de filmes ao profissional que oferece seu trabalho a um preço ridículo. A dublagem deveria ser tão bem cuidada quanto à tradução de um livro. Aí, sim, ela seria mais valorizada, e, consequentemente, respeitada”. Marcelo finaliza dizendo que “as pessoas que dominam o inglês e rejeitam um filme dublado não fazem o mesmo com um livro que foi traduzido; às vezes até preferem assim. Se a dublagem brasileira fosse fiel à obra original em todos os sentidos eu poderia chamar de estúpida a pessoa que, sem dominar o idioma estrangeiro, preferisse assistir a um filme legendado. No momento, não. Por enquanto essa pessoa tem o direito de escolher se prefere ser privada de uma boa fotografia ou de uma boa interpretação. Salvo raríssimos casos de dublagem bem feita”.
Hoje, Marcelo continua na área de dublagem. “A dublagem nacional vive um período que merece ser repensada. A quantidade de trabalhos caiu. Com isso, os dubladores iniciantes sentem-se excluídos do sistema. Dessa forma, eles passam a aceitar trabalhos em qualquer lugar e por qualquer preço. Esses profissionais acabam indo para estúdios, onde os donos só pensam em ganhar dinheiro fácil e não dão a mínima para a dublagem. Além disso, existe a pressa em dublar. Eu, como tradutor, não aceito isso. Quero no mínimo uns quatro dias para fazer a adaptação. Como tem gente que aceita, o trabalho acaba saindo um lixo. Tudo isso prejudica o prestigio da dublagem brasileira junto ao público”, analisou o dublador Gilberto Barolli.
No quesito animes e mangás, Recife já teve muitas visitas no mínimo curiosas. Alguém já viu um brasileiro fazer parte de uma banda no Japão? Cantando em japonês? Não? Pois, ele se chama Ricardo Cruz, é jornalista e já fez a tradução de mangás publicados no Brasil pelas editoras Conrad e JBC.
“Minha vida mudou em 2003, quando o vocalista da banda nipônica Jam Project, Hironobu Kageyama, veio ao Brasil, pela primeira vez, como convidado da Anime Friends. Nessa época, eu já cantava em eventos de São Paulo como a Animecon. Depois de nos conhecermos, ele foi embora e passei a trocar conversas via telefone e e-mail até a sua volta ao Brasil no ano seguinte. Desta vez, ele me pediu uma fita demo, pois no Japão estava tendo um concurso para eleger o sétimo integrante da Jam Project. Passado um tempo, ele me ligou, dizendo que eu tinha vencido e era para embarcar para o Japão. Lá, fui recebido muito bem pelo Kageyama e já gravei duas músicas. Uma delas foi para um anime baseado em uma linha de jogos da Banpresto”, contou Ricardo.
No Show, realizado, durante o Superherocon de 2005, Ricardo Cruz dedicou boa parte ao repertório do Jam Project, bem conhecido no Brasil, cantando as músicas temas originais de Jiraya, Changeman, Jaspion, Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball Z. O Superherocon, assim como outros eventos realizados em Recife, promovem todos os anos o tradicional concurso de cosplay, onde os fãs se vestem e interpretam seus personagens favoritos. “Para mim, o cosplay é a alma das convenções. Hoje, eu vim como o Jiraya, do anime Naruto. Ao me vestir de Cosplay, eu busco sempre me superar, tentando levar para os outros fãs, os meus gostos pessoas, e a identificação sentida por mim nesses personagens de alguém que conheço, de um amigo meu. É essa forte relação entre mangá e leitor, anime e telespectador, que me faz gostar mais e mais de interpretar um cosplay numa convenção”, desabafou o fã Maurício Vanderlei Martins.
As Lojas especializadas em mangás sempre estão presentes nesses tipos de eventos. Pela primeira vez, em Recife, Luís Abreu, dono da SANA de Fortaleza, conta que “os mangás assumiram a liderança do mercado de quadrinhos no Brasil em tão pouco tempo, pois houve uma saturação dos super-heróis americanos e uma tendência natural de renovação dos gostos do leitor por histórias que se identificassem mais. A explosão das convenções no Brasil foi crucial para isso”.
Desde a chegada do anime Visitantes no Espaço, na TV Tupi, em 1967, que o Brasil não vê uma mudança tão grande no comportamento de jovens cada vez mais apaixonados pelos olhos grandes desses personagens vindos do oriente. Somente no ano passado, os japoneses lucraram com os seus animes uma ordem 100 bilhões de dólares e venderam só no Japão nada mais menos que 2,5 bilhões de edições de mangás durante apenas um ano. A vinda do canal Animax para o Brasil, dedicado exclusivamente a essas produções, é a prova de que essa febre tende a crescer cada vez mais.
BOX EXPLICATIVO – MANGÁS E ANIMES.
Conhecidos como mangás, eles surgiram no Japão no século XIX pelas mãos de Katsushita Hokusai. Na Segunda Guerra Mundial, os artistas foram pressionados pelo imperador Hiroito a transformarem os mangás em agentes multiplicadores do conflito. Ao seu fim, Osamu Tezuka reviveu os mangás lhe dando uma linguagem visual de poucas palavras que ganharia o mundo.
A palavra Anime nasceu da abreviatura do termo da lingua inglesa Animation. No Japão, os Animes surgiram em 1917 e ganharam ares de mega produções com a chegada dos grandes estúdios como a Toei Animation de Dragon Ball, a Gainax de Evangelion, a Sunrise de Gundam, a Madhouse de Sakura Card Captors e o Ghibli da Viagem de Chihiro, vencedor do Oscar de Melhor Animação. Diferentemente dos desenhos ocidentais, os animes possuem, da mesma forma que os mangás, uma segmentação de públicos, voltados desde uma criança até um alto executivo no Japão. Exibidos em capítulos semanais em seus país de origem, os animes podem ser comparados as novelas brasileiras, em termos de fama e também pela continuidade da trama que tem início, meio e fim.

Perfil do Autor deste Blog

Formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduado em Jornalismo e Crítica Cultural pela Universidade Federal de Pernambuco, Tiago Bacelar começou trabalhando no Departamento de Comunicação da Assembléia Legislativa de Pernambuco, escrevendo matérias para o Diário Oficial do Poder Legislativo e para a rádio virtual do órgão. Na seqüência, Tiago voltou-se para o ramo de Assessoria de Imprensa, aonde trabalha a dois anos na entidade não-governamental Novo Mundo e coordena um projeto de comunicação na Comunidade da Ilha do Destino, em Boa Viagem, apoiado pela Fundação Kellogg, instituição norte-americana. Foi lá que iniciou a produção de vídeos institucionais e documentários, que o incentivaram a se cadastrar como produtor audiovisual na Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Especialista em quadrinhos desde o período da faculdade quando produziu uma série de seis programas de 10 minutos de duração cada, para rádio, explicando com detalhes todo o fenômeno dos mangás e animes no Japão, nos Estados Unidos e no Brasil. Essa experiência resultou em dois livros, ainda não publicados. Devido a isso, os dados coletados para as obras viraram roteiros para a produção de curtas-metragens sobre o tema em 2005, exibidos no mesmo ano no Omake, convenção de animes e mangás, realizada anualmente em Recife.
Na mesma ocasião, Tiago ministrou uma palestra sobre o tema para os fãs presentes no local. O sucesso encorajou-o a iniciar a produção de um longa-metragem sobre o tema, que está fase de pós-produção a ser encerrada neste ano de 2007. No ano de 2006, um preview deste longa, foi exibido no Omake, realizado no mês de julho, após palestra de Tiago sobre a evolução estética dos mangás e dos animes. Tiago já escreveu para a revista de cultura on-line Entre Palavras E-zine e deu início da transformação da sua monografia de conclusão da pós-graduação, analisando a influência do cinema expressionista alemão na construção do mangá moderno criado por Osamu Tezuka após a Segunda Guerra Mundial em livro. Já entrevistou nomes como Maurício de Sousa e a pesquisadora Sônia Bibe Luyten e foi um dos 1500 votantes do prêmio HQ MIX 2006 e 2007. Hoje, colabora para o site Zine Brasil. http://zinebrasil.googlepages.com/

Comunidade no Orkut

A TB Produções Audiovisuais está no Orkut:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=34471977

Entrevista

Texto por Tiago Bacelar (autor desse blog)
Publicado originalmente em:
Nos dias atuais, a televisão brasileira, especialmente a paga, vive um boom de desenhos japoneses, conhecidos como animês. No Japão, a cada ano são produzidas mais de 200 séries voltadas para a TV, DVD e cinema. Muitas acabam se tornando populares na Europa e Américas como Dragon Ball, Candy-Candy, Devilman, Astro Boy, Mazinger Z, Gundam e Sailor Moon. Para realizar essa tarefa de criar esses sucessos, existem, de acordo com o Ministério da Economia, Indústria e Comércio do Japão, mais de 400 companhias.
Desses estúdios, cerca de 60% estão alojados na cidade de Tóquio. É um gigantesco mercado, que supera até mesmo o mercado norte-americano e francês, sendo responsável por quase 60% de todas as animações exibidas anualmente nas TVs e cinemas do mundo inteiro. Segundo a Associação de Animações Japonesas, formada por 40 estúdios, os fãs dessas produções nipônicas têm crescido principalmente entre jovens, tornando termos como animê, mangá cosplay e J-pop, muito populares entre eles.
Em 2005, os Estados Unidos reuniu em pouco mais de 20 eventos pelo país quase 100 mil fãs, sendo a maioria deles na Animê Expo e Otakon. De acordo com o estudo feito pela Organização de Comércio Exterior do Japão, Jetro, as vendas de animês nos Estados Unidos, em 2002, incluindo produtos relacionados a essas séries, passaram dos 4,7 bilhões de dólares. Na China, mais da metade dos personagens mais populares são japoneses. Pokémon já foi exibido em mais de 70 países e Crayon Shin-chan em 50.
Hoje, apesar da língua, religião e diferenças culturais, o animê tem o poder para influenciar e em até muitos casos manipular pessoas, através de séries de cunho político-cultural. O mercado de animês no Japão, incluindo filmes, séries para TV, músicas, licenciamento de personagens e DVDs, chegou recentemente a marca de 27 bilhões de dólares. Levando-se para o lado global, o Centro de pesquisas japonês Stanford, estima que os animês rendem por ano aos japoneses a impressionante cifra de 100 bilhões de dólares.
A história dos seriados japoneses no Brasil teve seu início com a inauguração em 18 de setembro de 1950, pelo jornalista Francisco de Assis Chateaubriand, da TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora do Brasil e da América Latina.
O começo dela foi marcado por estúdios pequenos e equipamentos precários. Com os problemas para preencher toda a programação, atrações de outros países tiveram que ser importadas para resolver a situação crítica. Curiosamente, o primeiro desenho animado exibido no Brasil foi Pica-Pau, pela emissora de Chateaubriand, dublado em inglês. Isso aconteceu, pois a dublagem nacional só surgiria em 1957, com o filme “O Drama de Nora Hale”, exibido na Sessão Ford na TV, programa da TV Tupi. Nesse meio tempo surgiu a Gravasom, primeiro estúdio de dublagem de São Paulo. Com o crescimento da dublagem, personagens clássicos da Hanna-Barbera como Manda-Chuva e Wally-Gator ganhariam suas vozes no Brasil pelo ator Lima Duarte. Aos poucos, os programas ganharam forma: o primeiro telejornal, a primeira novela e a primeira série japonesa.
Em 1962, surge na Tupi à primeira produção vinda do oriente, o seriado Nacional Kid. O herói, vindo da galáxia de Andrômeda, tinha como missão defender o mundo dos incas venusianos. No total, Nacional Kid protagonizou 39 episódios. Em 1964, a série sai da Tupi e vai para a TV Record, onde fica até o final de 1967. A Rede Globo veiculou Nacional Kid de 1968 a 1969. Esses episódios, que marcaram toda uma geração, foram perdidos, em sua totalidade, num incêndio ocorrido na TV Globo de São Paulo, em 1969. Depois desse acidente, passaram-se muitas e muitas décadas, e, chegamos ao ano de 1993.
Nesse período, a série Nacional Kid foi adquirida junto aos japoneses para o mercado de vídeo pela Sato Company, através do seu dono Nelson Sato, com uma nova dublagem feita na Emérson Camargo, em São Paulo. “A redublagem de Nacional Kid foi complicada, pois a versão original tinha sido perdida. Por sorte, encontrei o Emérson Camargo, que me ajudou bastante, principalmente, por ter aceitado voltar a dublar especialmente para essa série, revivendo a voz de Nacional Kid feita por ele que ecoou e marcou toda uma geração nos anos 60 no Brasil. Melhor do que isso foi a volta de Nacional Kid a TV aberta no Brasil com a sua ida para a TV Manchete, em 1996. Pena que esse fenômeno não durou tanto tempo”, contou Nelson Sato.
Nacional Kid marcou toda uma geração de brasileiros com suas histórias repletas de situações mirabolantes e foi responsável pela vinda de vários animês nesse período. Ela foi fundamental para chamar a atenção do público brasileiro para essas séries desconhecidas até então. Conta-se a lenda que em 1997, foi encontrado, em um sótão, na cidade de Porto Alegre, todos os episódios de Nacional Kid com a dublagem original, feita na Aic, em São Paulo. Até hoje, essa história não foi confirmada.
De lá para cá passaram-se vários anos, muitas séries vieram para o Brasil, e chegamos ao ano de 2005...
BATE-PAPO
O dia 31 de julho de 2005 marcou a chegada do Canal Animax, um dos mais famosos da televisão japonesa, no Brasil. O canal Animax pertence ao grupo nipônico Sony, dono de canais como a HBO, a Sony Entertainment Television e a Warner Channel na América Latina. Com programação dedicada 24 horas por dia à animação japonesa, o canal manteve grande crescimento durante os últimos anos em todos os países onde é exibido.
Numa parceria inédita no Brasil com a Editora JBC, que publica uma série de mangás traduzidos no Brasil, e a Álamo, a Sony visa atingir um público alvo entre 12 a 30 anos. Todas essas séries do Animax estão sendo exibidas com dublagem em português, feita no estúdio Álamo, depois de tradução feita pela Editora JBC. Séries renomadas como Burst Angel, Fullmetal Alchemist, Getbackers, Vandread, Crayon Shin-Chan, Noir, Loki, Samurai 7, Initial D, Gantz e Prince of Tennis são os destaques do canal.
Com a vinda do Animax, a tendência é que aumente a briga entre as emissoras de TV paga. O mercado de anime tende a se consolidar com a vinda de mais e mais séries oficiais para o Brasil, reduzindo assim o comércio pirata existente no país. Para uma análise mais aprofundada do Animax e do mercado de animes no Brasil, conversei com a gerente de marketing do ANIMAX no Brasil, Stefania Granito.
Tiago Bacelar - Por que a Sony, uma empresa que investe tradicionalmente em séries e filmes americanos, decidiu criar um canal como o Animax com 24 horas de pura animação japonesa? Afinal, no próprio Japão, isso não é muito comum, em virtude de existirem vários canais como TV Tokyo e YTV, que exibem muitos animês, mas não ocupam toda a grade.
Stefania Granito - Antes de tudo a Sony é uma empresa voltada ao entretenimento e não a séries e filmes americanos. A proposta da empresa é levar aos telespectadores uma programação de qualidade. Para isso tomamos como base as tendências de mercado para montarmos as grades de programação dos canais e até mesmo de novos canais. Nos EUA não existe um canal exclusivamente dedicado a séries, reality shows e premiação.
TB - Como a Sony analisa o bilionário mercado de animês no Japão?
SG - Como uma grande oportunidade, por isso a decisão de investir num canal focado nesse gênero.
TB - Quando e por que a Sony decidiu que era hora de lançar o Animax em outros países? Em quais países o Animax é exibido?
SG - O Animax nasceu em 1998 e devido ao seu grande êxito neste país e ao potencial do mercado global a Sony resolveu abrir novos sinais para novas regiões. Hoje o Animax é exibido no Japão, Hong Kong, Singapura, Tailândia, Índia e em outros países do sudoeste asiático. No continente americano estamos na Argentina, México, Brasil, Venezuela, Panamá, República Dominicana, Costa Rica, Bolívia, Paraguai, Honduras, El Salvador, Colômbia e Peru.
TB - Por que a Sony decidiu lançar o Animax na América Latina?
SG - Justamente por conta da popularidade do animê que continua crescendo no mundo todo.
TB - No Brasil, o mercado de animês na TV sempre viveu altos e baixos. Iniciou-se na finada TV Tupi e teve febres momentâneas na Rede Globo e TV Record. A partir da década de 80, o domínio ficou por conta do SBT, Rede Globo, TV Record e Rede Manchete. Por sua vez, nos anos 90, houve o domínio da TV Manchete, principalmente com a exibição de Cavaleiros do Zodíaco, transmitido de 94 a 98 e chegou a ter picos no ibope de 25 pontos. A partir do fim da Manchete, os animês se voltaram para TV paga com a Fox Kids (hoje Jetix), a extinta Locomotion e o Cartoon Network, sendo intercalados pela febre de Pokémon na TV Record e Dragon Ball Z na Bandeirantes/TV Globo. Tendo iniciado suas exibições desde o final de julho de 2005, como o Animax analisa o mercado de animês no Brasil e quais são as suas perspectivas de crescimento?
SG - O animê anos atrás estava posicionado dentro dos programas infantis, (ou pelo menos no horário em que as crianças eram o principal foco das redes de TV) junto com um milhão de outros desenhos animados. Era simplesmente uma atração daquele horário. O que vemos hoje é uma legião de cultuadores do animê, que definitivamente não são crianças assistindo a qualquer coisa à tarde só porque é divertido, mas sim um pessoal que assiste ao que gosta e tem motivos fortes para tanto. Isso reflete diretamente no mercado, os animês não são mais uma atração qualquer de criança e sim uma grande fonte de lazer e prazer para muita gente. TB - Quais foram os critérios utilizados para a compra dos direitos das séries exibidas no Brasil?
SG - Qualidade, qualidade, qualidade e também, obviamente, a disponibilidade de direitos de transmissão para o mercado em questão. Não é raro nos interessarmos bastante por um determinado animê, e por mais que exista o desejo de transmiti-lo, muitas vezes, ele ainda não está disponível contratualmente para ser exibido fora do seu país de origem.
TB - Séries como Full Metal Alchemist e Getbackers estão repercutindo de forma muito positiva nos Estados Unidos. Quais são os animês do Animax que estão fazendo mais sucesso nesses seis meses desde a estréia? E como esses números estão sendo medidos, por que tipo de pesquisas?
SG - Nossos animês exibidos dentro do horário nobre, certamente, são os mais festejados pelos fãs do canal. Medimos nossas performances por meio do IBOPE.
TB - Por que o Animax, ao chegar a América Latina, decidiu substituir o Locomotion, em vez de usar um outro sinal?
SG - Por uma simples questão de estrutura instalada.
TB - O que aconteceu com os direitos dos animês, exibidos pela Locomotion? Venceram ou vocês os compraram junto com o canal? Digo isso, pois animês da Locomotion acabaram sendo aproveitados no Animax como Lain, Arjuna, Saber Marionette J e Saber Marionette J to X.
SG - A programação do Locomotion foi analisada pela equipe do canal e diante disso alguns foram mantidos outros foram deixados de lado.
TB - Tendo um público mundial de 21 milhões de assinantes, sendo 350 mil no Brasil, como o Animax pretende ampliar esse número no Brasil?
SG - Através do crescimento da sua base de assinantes.
TB - Por que o Animax escolheu a Editora JBC para traduzir suas séries e o Estúdio Álamo de São Paulo para dublá-las? Como o Animax analisa o trabalho delas até então?
SG - Foram escolhidos por serem parceiros de confiança da área de produção do canal.
TB - Para finalizar, que trabalho de divulgação o Animax está fazendo para aumentar o número de assinantes e de fãs de animês no Brasil e conseqüentemente reduzir o número de piratas no país com a vinda de mais produtos.
SG - Para a divulgação do Animax, trabalhamos com diversos veículos: anunciamos em mangás; criamos um sistema de animês legendados que levam mensagem de um internauta para outro http://www.animêssenger.com.br/; criamos postais que hoje em dia até estão sendo vendidos em sites de leilão; trabalhamos com blitz em locais onde o público se concentra; anúncios em revistas; flipbooks em revistas; estivemos em feiras e patrocinamos campeonatos de cosplay... neste ano de 2006, voltaremos com uma nova campanha para a divulgação do canal.

A Identidade dos Quadrinhos Nacionais

Texto de Tiago Bacelar (autor desse blog)
Originalmente publicado em:
Apesar de a produção nacional de quadrinhos ter tido início no século XIX, os gibis brasileiros sempre lutaram para ter uma identidade nacional, quando ao mesmo tempo lutavam para enfrentar os comics americanos e os mangás japoneses e as várias mudanças políticas da nossa história. Poderia se afirmar com isso, que nessa vertente, foi à tira, a única a desenvolver características profundamente nacionais. Apesar de não ter nascido por aqui, a tira ganhou um formato de abordagem bem diferenciado de outros países ocidentais. Somada a rebeldia durante a Ditadura Militar e o underground dos anos 80, a tira ganhou uma roupagem ácida e nada comportada.
Os primeiros vestígios do quadrinho nacional surgem pelas mãos do italiano Angelo Agostini, que firmou carreira no Brasil. Em 1859, veio para São Paulo com sua mãe, a cantora lírica Raquel Agostini. Cinco anos mais tarde, dá inicio à sua carreira de cartunista, com a revista "Diabo Coxo", que contava com textos do poeta Luiz Gama e foi o primeiro jornal ilustrado publicado em São Paulo.
Com o fechamento do Diabo Coxo, Agostini lançou o Cabrião, que circulou até 1867. No mesmo ano, o desenhista parte para a luta abolicionista no Rio de Janeiro, onde inicia a sua fase satírica, principalmente em tudo no que dizia respeito ao governo do Imperador Dom Pedro II. Foi nesse período que colaborou com as publicações "O Mosquito", "Revista Ilustrada" e "Vida Fluminense”.
Em 30 de janeiro de 1869, Agostini publica na revista "Vida Fluminense", Nhô-Quim, considerado o primeiro gibi brasileiro e um dos mais antigos do mundo. Sete anos mais tarde, lança As Aventuras de Zé Caipora, na Revista Ilustrada, sendo o primeiro quadrinho lançado por aqui a ter um personagem fixo. Por desentendimentos com a elite local, Agostini volta a Paris, onde vive por vários anos. Na sua volta ao Brasil, entra para a revista "Dom Quixote" e "Tico-Tico", com a publicação de novas histórias do Zé Caipora, o qual foi publicado até dezembro de 1906. Quatro anos, Angelo Agostini morre e deixa aberto um longo caminho de lutas para o gibi nacional.
A revista Tico-Tico, primeira revista em quadrinhos publicada no Brasil com histórias fechadas e completas, foi lançada, em 1905, pelo jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva. Em seus primeiros anos, limitou-se a reproduzir os comics americanos de Richard Outcault, “Buster Brown e Tige”, que foram chamados por aqui de Chiquinho e Jagunço. Com o sucesso da publicação, a Tico-Tico decide abrir espaço para desenhistas brasileiros como J. Carlos, autor dos personagens Melindrosa e Lamparina, Max Yantok, criador das histórias de Joca Bemol, Barão de Rapapé e Chico Muque, e Alfredo Storni com as Aventuras de Zé Macaco e Faustina.
Mais tarde se juntariam a estes artistas, o desenhista Luiz Sá com as populares histórias de Reco-Reco, Bolão e Azeitona. A grande maioria dos quadrinhos listados acima eram cópias de obras estrangeiras. A revista Tico-Tico foi publicada até 1956 e ganhou em sua existência leitores como o político Rui Barbosa e o poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1929 foi lançada a Gazeta Infantil, como encarte do jornal A Gazeta, onde foi publicado o nacional Juca Pato. Em 1950 a revista foi extinta.
Conhecido ainda como histórias em quadrinhos, o termo só viria a mudar para Gibi em 1939 com o lançamento de uma revista de mesmo nome, pela Editora Globo. Inicialmente, ela foi lançada como suplemento do jornal O Globo, e foi chamada originalmente de O Globo Juvenil, como uma reação de Roberto Marinho ao sucesso do Suplemento Juvenil do jornal A Nação, que mais tarde viraria a Editora Ebal. Na época, Gibi era uma gíria carioca para menino negro. Por isso que, quando foi lançada pela Editora Globo, a logomarca da revista era a cabeça de uma criança negra.
A revista O Guri, de propriedade de Assis Chateaubriand, surgiu na mesma época, e publicava a charge mais madura do Amigo da Onça, desenhada pelo cartunista Péricles de Andrade Maranhão. O Amigo da Onça foi publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro em 23 de outubro de 1943. Recheado de ironias e críticas, a história do Amigo da Onça mostra um personagem que gosta de quebrar as máscaras e falsidades dos outros, colocando-os em situação para lá de embaraçosas. Foi dessa criação de Péricles que nasceu o jargão popular Amigo da Onça.
A Editora Ebal foi fundada em 1945 por Adolfo Aizen, considerado o Pai dos Gibis no Brasil por sua ousadia em querer difundi-lo no país. O primeiro título lançado pela Ebal foi a Seleções Coloridas, que traziam histórias da Disney e de Carl Barks. Já firmada como a principal editora do gênero no Brasil nos anos 50 e 60, a Ebal era líder nas bancas, chegando a ter mais de 30 títulos mensais com tiragens acima de 150 mil exemplares. Além de comics americanos, a Ebal publicou vários gibis feitos por brasileiros, como Álbum Gigante, Edição Maravilhosa, com adaptações de obras de Euclides da Cunha e José de Alencar, Série Sagrada, com biografias de santos católicos e Episódios e História do Brasil e Figuras do Brasil, com adaptações de fatos históricos.
Durante a década de 50 com a popularização das rádios novelas, seus personagens mais heróicos ganharam versões em quadrinhos. Foi o caso de Jerônimo e O Vingador. Os anos 50 também marcam a ascensão do gênero Terror. Muitos autores brasileiros aproveitaram para preencher o vazio deixado pelos quadrinistas americanos como Eugênio Colonnese, Jayme Cortez, Nico Rosso e Helena Fonseca. Em 1960 começou a ser publicada a revista A Turma do Pererê de Ziraldo, que contava as aventuras do saci pererê, uma das muitas lendas do folclore brasileiro.
Também na década de 60 o cartunista Henfil deu início à tradição do formato "tira" com seus personagens Graúna e Os Fradinhos. Foi nesse formato de tira que surgiu Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica. De 1970 a 1986, as revistas de Mauricio foram publicadas na editora Abril, e a partir de 1987 começaram a ser lançadas pela editora Globo, em conjunto com os estúdios Mauricio de Sousa. Suas tiras são publicadas em diversos jornais desde 1959.
Nascido em 27 de Outubro de 1935, Mauricio de Sousa acabou se tornando e se consolidando como o desenhista brasileiro de maior prestígio mundial da atualidade, sendo um dos poucos no Brasil a viverem só de quadrinhos e produtos relacionados a seus personagens. Filho de Antônio Maurício de Sousa, poeta e barbeiro, e de Petronilha Araújo de Sousa, poetisa, Mauricio de Sousa começou sua carreira, desenhando cartazes e ilustrações para rádios e jornais de Mogi das Cruzes, onde viveu. Começou a desenhar histórias em quadrinhos em 1959, com as aventuras do cachorrinho Bidu, que mais tarde viraria a logomarca da Maurício de Sousa Produções.
Mauricio montou uma grande equipe de desenhistas e roteiristas e depois de algum tempo passou a desenhar somente as histórias de Horácio, o dinossauro. Pai de dez filhos, além de criar personagens baseados em seus amigos de infância, Mauricio sempre criou personagens baseados em seus filhos, tais como: Mônica, Magali, Marina, Maria Cebolinha, Nimbus e Do Contra.
Certo dia, o desenhista das histórias da Turma da Mônica, Maurício de Sousa, foi a Tóquio, objetivando estudar a realidade das crianças japonesas. Ele pretendia averiguar quais eram os seus hábitos, desejos, como eram tratados e o que o governo fazia por elas. A viagem foi patrocinada pela Fundação Japão. “Eu queria de todas formas conhecer quem era Osamu Tezuka, um ídolo de mais de três gerações de japoneses”, revelou Maurício. Na chegada ao Japão, o desenhista brasileiro foi surpreendido pela recepção inesperada de Tezuka.
O resultado desse primeiro encontro foi o surgimento de um elo de amizade entre Maurício e o criador do mangá moderno, fortificada com a vinda dele ao Brasil. “Tezuka foi um amigo de fato, confidente e aberto para confidências. Discutíamos em profundidade os caminhos passados e eventualmente os futuros dos quadrinhos e da animação. E foi dele a sugestão de que, mesmo que a Turma da Mônica se espalhe por todo o mundo, ela deve continuar com a poesia, carinho e cuidados na sua produção como até hoje tivemos”, explicou. A amizade do desenhista brasileiro com Tezuka acabou influenciando os seus próprios desenhos.
“Tanto eu, quanto muitos dos artistas da nossa equipe se motivaram a desenhar após conhecerem a obra de Tezuka. A maioria, niseis. E isso quando ainda não havia a febre dos mangás, que hoje influenciam orientais e ocidentais. Tezuka iniciou o processo que, sem dúvida, também ajudou a influenciar nossos traços limpos e firmes”, ressaltou. No início de 1989, Maurício tentou entrar em contato com Tezuka, mas não conseguia. “Recebi várias desculpas pelo telefone, e, nada. Logo em seguida, viajei para Tóquio para realizar algumas transações comerciais. Já tinha desistido de encontrá-lo”, relembrou. Na chegada ao Japão, Maurício recebeu uma ligação de um assistente de Osamu Tezuka. Ele queria que Maurício fosse imediatamente para o Hotel New-Otani, pois Tezuka o estaria esperando para uma conversa.
“Fiquei feliz de rever um amigo, e, fui para lá com uma intérprete. Ao entrar no local marcado, entendi o porquê das desculpas dos seus assessores. Fiquei chocado ao vê-lo abatido e magro, em virtude do estágio avançado do câncer. Mas, no decorrer da conversa, esqueci da sua aparência ao verificar que sua energia e lucidez estavam todas ali, intocadas pela doença”, recordou. Tezuka falou com Maurício sobre muitos assuntos como: a crise da Mushi Produções, as suas últimas produções e uma co-produção, onde os seus personagens se misturariam com os da Turma da Mônica.
Terminado o encontro, um diretor da Tezuka Productions o levou de volta para o hospital. Tezuka tinha fugido para ver o desenhista brasileiro. Maurício recebeu a notícia de sua morte, assim que chegou ao Brasil. Finalizando a nossa entrevista, Maurício explicou o quanto Tezuka foi importante para os quadrinhos e desenhos animados de modo geral, não somente os japoneses. “Um mega criativo como foi o mestre Tezuka deixa círculos que se expandem, na sua forma de influenciar. É como se fossem os círculos que se abrem na água tranqüila após receber uma pedra. Com Tezuka, a água recebeu um pedaço de diamante. Até hoje quando me lembro dele, agradeço por ter tido o privilégio de conhecê-lo e aprendido muitas coisas que me ajudaram na minha carreira”, finalizou.
A década de 60 foi à era de ouro para os gibis de super-heróis no Brasil. Influenciados pelas histórias da Marvel, que chegaram ao País em 1967, tais histórias sustentaram as pequenas editoras paulistas durante um bom tempo. Os super-heróis brasileiros só atuavam quando a editora andava bem das pernas. O primeiro super-herói brasileiro surgiu em 1959, quando a editora Outubro lançou um gibi, inspirado no seriado de televisão, o Capitão Sete, uma cópia do Super-Homem.
O gibi narrava às aventuras de Carlinhos, um garoto levado ao Sétimo Planeta onde desenvolve super-poderes iguais aos do herói da DC. O personagem foi adaptado para o gibi por Jaime Cortez, diretor de arte da Outubro. O gibi do Capitão Sete foi publicado até 1965, passando por vários desenhistas, como Juarez Odilon, Shimamato, Sérgio Lima e encerrando-se nas mãos do argentino Osvaldo Talo. Esta atitude de plagiar descaradamente, comum para a época, só viria a mudar nos anos 70, quando foi criada uma nova lei de direito autoral.
Em 1965 surgiu o Raio Negro de Gedeone Malagola, que acabou agradando os leitores brasileiros, que tinha até então certo nojo das produções brasileiras. Raio Negro abusou do uso em seu formato da concepção de Andy Warhol sobre a cultura de massa, contando as bravuras dos super-heróis Homem-Lua e Hydroman. No mesmo ano, Minami Keizi funda a editora Edrel, em meio ao Golpe Militar de 64.
Sua primeira ação foi contratar os niseis Cláudio Seto, Fernando Ikoma e Paulo Fukue, no intuito de trazer novidades para os leitores brasileiros. No ano seguinte, a Edrel lançou a revista Humor Negro, desenhada por Seto. Entretanto, a baixa qualidade do material não agradou o público-leitor, resultando no seu cancelamento após três edições publicadas. Mesmo com esse fracasso inicial, Minami Keizi não se abateu.
Era uma questão de tempo para os “mangás” nacionais se tornarem o símbolo desse curto período de vida da Edrel. A editora lançou várias revistas com histórias de samurais e outras com personagens inspirados em várias obras de Osamu Tezuka, como Astro Boy, a Princesa e o Cavaleiro e Kimba. Em 1967, a Edrel publica o especial Álbum Encantado, inspirado no estilo shonen, um gênero japonês voltados para adolescentes do sexo masculino. No mesmo ano, Minami Keizi lança Tupãzinho, uma revista de ação e aventura. Na época, a editora Abril chegou a propor para Keizi uma publicação especial para Tupãzinho. Por não querer prejudicar sua empresa, ele não aceitou a oferta da Abril e contra-atacou com uma nova publicação.
No início de 1968, a Edrel publicou Flavo, de Cláudio Seto, na recém lançada, revista Ídolo Juvenil. Flavo era um misto de ficção e contos de fadas. Como forma de enfrentar a Disney e os super-heróis da DC e da Marvel, a Edrel decidiu explorar a questão do erotismo, das doenças sexualmente transmissíveis e dos assassinatos complexos. Na prática, esse projeto acabou sendo voltado para o público adulto, com destaque para os desenhos de Fernando Ikoma e Paulo Fukue.
Numa linha inspirada no shoujo, voltado para meninas, Cláudio Seto, lançou, em março do mesmo ano, a revista Lágrimas do Céu. Suas tramas eram apimentadas de seqüências melodramáticas, cheias de romance. Em agosto, a Edrel publicou o gibi Ninja, desenhado pelo irmão de Seto. Seu público, que era formado só por niseis, não se agradou com as histórias. Essa revista foi cancelada depois de duas edições.
No final de 1968, os censores do Governo Militar se instauraram na sede da Edrel, assim como foi feito nos jornais, nas emissoras de televisão, enfim, em qualquer lugar que fosse conveniente para a ditadura controlar. Dessa forma, todas as publicações passaram a ter o seu conteúdo fiscalizado. Em 1969, Seto emplacou o grande sucesso O Samurai, em clássicos épicos com muito erotismo e violência. Até então, nunca, no Brasil, havia se visto tanto sangue, fúria e paixão numa publicação de quadrinhos.
O governo do general Emílio Garrastazu Médici foi marcado pela violência e repressão a qualquer tipo de manifestação contrária ao regime. O presidente estabeleceu o aumento da censura prévia em todos os meios de comunicação, no intuito de controlar o fluxo de informações, vendendo a todos a idéia do país em grande desenvolvimento econômico, buscando legitimar o golpe através deste crescimento. Em 1973, Médici, irritado com as publicações ousadas da Edrel, ordena o seu fechamento imediato. Com isso, Keizi, Fukue, Seto, Ikoma e a própria Edrel acabaram caindo no esquecimento perante o público. Nesse período, muitas editoras tiveram o mesmo destino da Edrel. O Judoka, da editora Ebal, foi criado às pressas para substituir o personagem Judô-Master, de Charlton Comics, que deixara de ser produzido nos EUA. Sobreviveu até 1973.
Nos anos 90, os artistas brasileiros começam a apelar para o gênero “mangá” brasileiro. Muitas revistas lançadas na época delas eram inspiradas nos animes, desenhos animados japoneses que estavam passando na televisão como a Hyper Comics, de João Vicente. Lançada pela editora Magnum, ela fazia sátiras de séries como Sailor Moon e Cavaleiros do Zodíaco.
“O seu cancelamento reflete o mau sistema de distribuição das publicações, que torna as vendagens quase como uma loteria, onde o editor conta infelizmente com poucos pontos de venda. Na maioria das vezes, isso prejudica publicações de grande tiragem. As de baixa tiragem acabam ficando com um preço elevado por exemplar”, justificou o desenhista Daniel HDR. Por sua vez, em 1999, surge o fenômeno do mangá nacional, Holy Avenger, de Marcelo Cassaro e Érika Awano. A série foi encerrada com 40 edições. Atualmente, um desenho animado estaria sendo produzido pelo cineasta Sérgio Martinelli, diretor de animação e professor de cinema na Universidade Mackenzie, de São Paulo. Holy Avenger foi inspirado nas histórias medievais dos RPGs e no estilo presente nos mangás desse gênero no Japão.
“O fenômeno Holy Avenger pode ser explicado pela forte ligação das histórias com as publicações de RPG que a sua editora já publicava. Por ser uma atividade sociabilizante, o RPG tem a capacidade de manter vínculos por muito tempo com seu publico, podendo com o tempo ganhar novos adeptos. Isso se repetiu com Holy Avenger. Muitos quadrinhos, por não acompanharem seu público, acabam não conseguindo essa proeza. No aspecto de distribuição, Holy Avenger teve os mesmos problemas que a maioria das revistas no país. Mas, a editora soube lidar com os exemplares a mais, relançando-os, mantendo, assim, uma constância no material”, analisou o desenhista Daniel HDR, que nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
“Eu já gostava de quadrinhos desde pequeno. Meu pai colecionava quadrinhos, mas tinha como profissão o trabalho de desenhista técnico e projetista. Inicialmente, tive o ímpeto do fã que gosta de se dedicar exclusivamente com isso, mas com as dificuldades do mercado brasileiro, levo essa atividade prazerosa, em paralelo com a de publicitário e professor universitário”, revelou.
Em seguida, Daniel HDR foi trabalhar nas editoras norte-americanas Dark Horse e Marvel Comics, onde passou a desenhar quadrinhos de super-heróis. “Atuar nesse mercado, para mim, tem a mesma importância de publicar em editoras daqui. O essencial, para um desenhista, é está lançando suas produções, o que é algo muito difícil hoje em dia, em meios convencionais. A internet tem se mostrado como uma boa alternativa para os autores iniciantes e experientes”, explicou.
Nesse período que esteve nos Estados Unidos, o artista fez a adaptação americana oficial do mangá de Digimon, que acabou sendo publicada no Japão. “Esse trabalho foi gratificante, pois me aproximou do traço oriental. Ele abriu para mim portas no mercado asiático, onde não havia atuado ainda”, relembrou.
Juntamente com Daniel HDR veio mais um representante do “mangá” nacional, Combo Rangers, criado pelo desenhista Fábio Yabu, nascido em 1979 na cidade de Santos, estado de São Paulo. Suas principais influências foram Osamu Tezuka, Jack Kirby, Walt Disney, Mauricio de Sousa e Stan Lee. Yabu não se considera um desenhista. “Eu sou um contador de histórias, um produtor de conteúdo. Não desenho todas as minhas obras, mas escrevo todas elas com muito prazer”, revelou Fábio Yabu.
Durante a entrevista, o artista contou como surgiu à idéia de criar um quadrinho on-line, os Combo Rangers. “Eles surgiram da minha vontade de trabalhar com meus próprios personagens, o meio on-line foi à forma que encontrei de distribuir meu conteúdo a um baixo custo. Minha inspiração para fazê-los partiu das histórias de seriados japoneses, animes e desenhos antigos como Superamigos”. Para transportar os Combo Rangers da Internet para a publicação pela JBC, Fábio Yabu teve que adaptá-la.
“Nesse projeto, eu tive que fazer uma criação totalmente nova, pois as histórias seguiam rumos diferentes. Então não houve muito problema, além de ter que recomeçar tudo do zero”. Em 2003, Combo Rangers passou a ser publicado pela Panini, onde foi encerrado no ano seguinte. Encerrando o nosso papo, Fábio Yabu fez uma análise do período em que sua obra foi lançada por aqui no Brasil.
“Foi um processo de evolução, como tudo na vida. Foram períodos distintos, dos quais me orgulho muito”. Recentemente, Fábio Yabu lançou o seu primeiro livro, Princesas do Mar - O Mundo de Salácia. Hoje em dia, o gibi nacional ainda tenta sobreviver às duras penas num mercado, que antes era dominado pelos quadrinhos americanos e hoje vive uma enxurrada de mangás nas bancas. Artistas como Mauricio de Sousa e Ziraldo, que vivem unicamente de quadrinhos, infelizmente, ainda é uma exceção. Se isso vai mudar, só vai depender do incentivo das editoras brasileiras a publicação de histórias em quadrinhos feitas por artistas nacionais.