quarta-feira, 6 de maio de 2009

COLISEU APRESENTA “O VELHO CINEMA NOVO: RE-VISÕES”

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Bahia de Todos os Santos
Mostra reúne 16 filmes e 11 diretores-chave do movimento cinemanovista

O Cineclube Coliseu do Sesc-Casa Amarela apresenta durante todo o mês de maio a Mostra “O Velho Cinema Novo: Revisões”, com curadoria do jornalista Rodrigo Dourado, que passa em revista 13 títulos fundamentais desse importante movimento brasileiro, dos precursores aos rebentos tardios, assinados por 11 diretores-chave para compreender a escola estética e política do Cinema Novo, como Leo Hirszman, Trigueirinho Neto, Paulo Cézar Sarraceni, Luís Sérgio Person, Roberto Santos e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Além disso, serão exibidos três curtas documentais que investigam a figura mítica de Glauber Rocha.
As sessões acontecem às sextas (19h) e sábados (14h). Aos sábados, os debates serão encaminhados pelo jornalista e professor da Unicap Alexandre Figueirôa (dia 09), pelo escritor e cineasta Jomard Muniz de Britto (dia 16) e pelo crítico de cinema Celso Marconi (dia 23).
Nesta primeira semana da Mostra (Sexta e Sábado, 08 e 09) serão exibidos, entre outros, “Pedreira de São Diogo” (Leo Hirszman), integrante do documentário “Cinco Vezes Favela”, produzido pelo CPC da UNE em 1962 e considerado fundamental para a instalação do Cinema Novo; “Bahia de Todos os Santos” (Trigueirinho Neto), retrato dos desenganos da juventude baiana do início dos anos 60, que exerceu influência decisiva sobre Glauber; e “Aruanda” (Linduarte Noronha), cuja fotografia do pernambucano Rucker Vieira marcaria toda a estética cinemanovista.
O acesso às sessões é gratuito. O Cine Sesc fica no Sesc Casa Amarela: Avenida Professor José dos Anjos, 1109, Casa Amarela, Recife. (Entrada pela Avenida Norte).
Informações: (81) 3267 4410 / 3267 4400 / rdourado@sescpe.com.br
Confira abaixo a programação completa da Mostra, informações sobre os filmes em exibição nesta primeira semana e alguns ensaios críticos:
O Velho Cinema Novo: Re-Visões
Dia 08 (Sexta-feira)
19h – “Pedreira de São Diogo” (Leo Hirszman, 1962, 18min) + “Bahia de Todos os Santos” (Trigueirinho Neto, 1960, 102min)
Dia 09 (Sábado)
14h –“Aruanda” (Linduarte Noronha, 1960, 22min) + “Arraial do Cabo” (Paulo Cézar Sarraceni e Mário Carneiro, 1959, 17min) + “Porto das caixas” (Paulo Cézar Sarraceni, 1962, 75min)
Debatedor: Alexandre Figueirôa
Dia 15 (Sexta)
19h – “A velha a fiar” (Humberto Mauro, 1964, 6min) + “São Paulo S.A” (Luís Sérgio Person, 1965, 107min)
Dia 16 (Sábado)
14h – “Abry” (Joel Pizzini e Paloma Rocha, 2003, 30min) + “A voz do morto” (Sérgio Zeigler e Vitor Ângelo, 1993, 13min) + “A degola fatal” (Clóvis Molinari e Ricardo Favilla, 2004, 13min)
15h – “Amazonas, Amazonas” (Glauber Rocha, 1966, 15min) + “Deus e o Diabo na terra do sol” (Glauber Rocha, 1964, 125min) 
Debatedor: Jomard Muniz de Britto
Dia 22 (Sexta)
19h – “A João Guimarães Rosa” (Roberto Santos, 1968, 13 min) + “Bebel, garota propaganda” (Maurie Capovilla, 1967, 103min)
Dia 23 (Sábado)
14h – “Brasília, contradições de uma cidade nova” (Joaquim Pedro de Andrade, 1967, 23 min) + “Macunaíma” (Joaquim Pedro de Andrade, 1969, 105min) 
Debatedor: Celso Marconi
I Semana
Sexta-feira (08.05)
Pedreira de São Diogo (Leo Hirszman, 1962, 18min, PB)
Produzido pelo CPC - Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Integrante da série “Cinco Vezes Favela”, tida como fundamental para a instalação do movimento do Cinema Novo. No Rio de Janeiro, sobre uma pedreira há uma favela. Ao perceberem o risco de desabamento dos barracos, em conseqüência das explosões de dinamite, os operários incitam os moradores a iniciar movimento de resistência para impedir um acidente fatal.
Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto, 1960, 98min, PB)
A trama gira em torno de um grupo de amigos inconformados com o marasmo e a vida monótona da capital baiana, na época da ditadura de Getúlio Vargas. Tonho, um mulato rejeitado pelos pais que vive de pequenos furtos no porto de Salvador, vive conflitos sociais, políticos e religiosos. Sua amante inglesa quer afastá-lo dos companheiros, mas ele se envolve num atrito entre grevistas e a polícia, terminando por roubar a amante para ajudar os perseguidos. Insatisfeita, ela o denuncia, comprometendo-o politicamente. Ele é preso e, quando volta para a família, seu drama permanece.
Sábado (09.05)
Aruanda (Linduarte Noronha, 1960, 22min)
A história de um quilombo, formado em meados do século XIX, por escravos libertos no sertão da Paraíba. O filme, da mesma época da inauguração de Brasília, mostra uma pequena população, isolada das instituições do país, presa a um ciclo econômico trágico e sem perspectivas, variando do plantio de algodão à cerâmica primitiva. O curta é considerado um dos precursores do Cinema Novo.
Arraial do Cabo (Paulo Cézar Sarraceni e Mário Carneiro, 1959, 17min)
Com fotografia deslumbrante de Mário Carneiro, que co-dirige o filme, e texto do jornalista Claudio Mello Souza, o documentário mostra as transformações sociais e as interferências nas formas primitivas de vida de pescadores do vilarejo de Arraial do Cabo, no litoral do Estado do Rio de Janeiro. A Fábrica Nacional de Álcalis, que se instalou no local, causa a morte dos peixes, o que faz com que muitos integrantes da comunidade partam em busca de trabalho. Os modos tradicionais de produção se chocam com os problemas da industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi abrem o filme.
Porto das caixas (Paulo Cézar Sarraceni, 1962, 75min)
Uma mulher, querendo matar o marido que a oprime, procura ajuda de seu amante, de um soldado e de um barbeiro, mas eles se negam a cometer o crime. A cidade do interior onde moram revela a decadência: uma fábrica parada, um convento em ruínas, o barulho de trem, um vazio parque de diversões, uma feira sem entusiasmo, um comício sem força reivindicatória. Disposta a libertar-se do meio, a mulher decide colocar seu plano em prática sozinha.
RETRATOS DA DIVERSIDADE (Lúcio Flávio)
Realizado em meados dos anos 1950 - mas só lançado em 1961 -, Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, foi, pode-se dizer, um dos precursores do Cinema Novo, emergindo como uma semente da corrente que sacudiu a cena cinematográfica na década de 1960. 
Aparentemente a trama é de uma simplicidade gritante. Gira em torno de um grupo de amigos inconformados com o marasmo e a vida monótona da capital baiana - que é passada a limpo, logo na abertura, num belíssimo plano-sequência que capta alguns signos da região, como o dia-a-dia dos pescadores e seus barcos à vela navegando sob um céu carregado, o mar aberto com suas ondas hipnotizantes, ou pelo sincretismo religioso que banha essa "Bahia de todos os santos". 
Conflitos sociais estes desafogados pelas pessoas simples do local em casas noturnas, norteadas, claro, pelos prazeres da vida como a bebida, a música do momento e o sexo. "Todo mundo quer sair daqui! Vou me embora para São Paulo", revolta-se, em dado momento da história, o personagem de Antônio Pitanga, irreconhecível em suas feições joviais. "Para mudar de cidade precisa de protetor, um pistoleiro", retruca um outro. 
Mas é justamente diante deste clima de inércia que se encontram os personagens malditos de Bahia de Todos os Santos, mergulhado, nas entrelinhas, dentro de um turbilhão semiótico construído pelo roteiro de Trigueirinho. Entre eles o permanente conflito entre religião e política, autoritarismo e submissão social, burguesia e miséria. E não apenas isso: estão presentes temas bastante espinhentos para época - como comunismo, greve, sindicalismo, adultério e racismo. Tudo abordado de forma direta e incisiva. De um pragmatismo que assusta. "Não é preciso saber ler para cumprir o decreto do presidente", diz um dos milicos à uma mãe-de-santo, em represália ao candomblé e suas manifestações exaltadoras. A passagem, aliás, denuncia objetivamente a precária condição da educação no Brasil daqueles longínquos anos 1950. Um problema que, como constatamos, diante da atual realidade, atávico. 
Pensado como um projeto dividido em cinco episódios - com um deles dirigido pelo então jovem Glauber Rocha -, Bahia de Todos os Santos (mas tarde apropriado pelo paulista Trigueirinho), é um retrato pungente de uma região marcada por suas contradições culturais e religiosas, por sua diversidade social. 
Não é de se estranhar que o filme, pertencente ao fenômeno baiano que assaltou os cinco primeiros anos da década de 1960 do cinema brasileiro, tenha influenciado projetos futuros com sua apurada estética antropológica. Talvez a referência mais imediata, mais próxima, esteja no seminal Barravento, primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha, em 1962. Embora mais focado na questão do misticismo e suas contradições, a obra glauberiana mantém o discurso socialista que permeia Bahia de Todos os Santos, que viria a ser o único trabalho dirigido por Trigueirinho. Pouco depois de realizar o filme o roteirista, diretor e produtor paulista abandonaria a sétima arte para torna-se líder espiritual com mais de 70 livros publicados.
UM CINEMA VOLTADO PARA O HUMANO (Marcelo Miranda)
Algumas das principais e mais básicas características do cinema moderno são o desapego a uma narrativa contínua de causa e conseqüência e a presença do ambiente ou espaço como deflagrador das ações das personagens. No caso de Pôrto das caixas, primeiro longa-metragem de Paulo César Saraceni, esses dois elementos estão fortemente presentes a cada cena, a cada plano do filme. Apesar de o enredo funcionar com acúmulo de situações (mulher vai sendo maltratada pelo marido até não agüentar mais e decidir livrar- se dele), importa menos a Saraceni como sua protagonista vai conseguir resolver a situação do que o envolvimento e a interação dela com tudo que está ao seu redor.
Pôrto das caixas foi lançado em 1962 e serve como estopim do Cinema Novo, movimento que já surgia forte e iria explodir no ano seguinte, com a trinca Vidas secas, Os fuzis e Deus e o diabo na terra do sol. Porém, diferente destes três, Pôrto das caixas focava o ambiente urbano e retratava de maneira direta, sem maiores cargas de simbolismo, as angústias de pessoas à margem dos grandes centros e das possibilidades de ascensão. A personagem principal, interpretada com grande expressividade por Irma Álvarez, é reflexo disso: dona de casa submissa, ela tenta, por meio do forte poder de sedução, fugir do aparente determinismo no qual está enjaulada. 
No caminho, ela se insinua a vários homens, conspira contra o marido, movimenta-se pelo espaço onde vive, nas redondezas de uma estação de trem que parece servir de principal fonte de renda da região. Saraceni mistura ficção com um tom realista marcante, em especial ao se fixar no rosto de pessoas comuns, prováveis moradores incorporados à própria realidade criada pelo diretor. É o típico cinema que coloca a câmera nas ruas, em contato com o povo e, dali, ilustra sua própria temática. A fotografia e os enquadramentos de Mario Carneiro, junto à trilha sonora de Tom Jobim, colaboram para o tom melancólico e triste que perpassa todo o filme.
Triste, sim, mas jamais piedoso. Saraceni não demonstra compactuar com sua protagonista. Ainda que o andamento do filme pareça dar razão a ela por querer desaparecer com o marido violento, a construção tanto da mulher quanto do homem guarda ambigüidades que evitam o maniqueísmo. Ele é machista e duro, mas esconde nos olhos e nos gestos a fraqueza de não saber viver sem a esposa; ela é carente e sofrida, mas não perde a oportunidade de tentar cooptar qualquer um para dar cabo do marido e, quando nenhuma de suas investidas dá certo, ela própria toma o controle da situação e, conseqüentemente, de seu destino. O caminhar pelos trilhos do trem (os mesmos trilhos que levaram o marido) é outro instante do filme em que a personagem surge impregnada pelo ambiente onde habita. No caso, pela neblina que toma o espaço e parece representar a incerteza dos tempos que se abrem aos seus olhos ou mais além: ao seu corpo e sua mente.
*Marcelo Miranda: crítico de cinema dos sites Digestivo Cultural, Cinequanon e Filmes Polvo e repórter de Cultura do jornal O Tempo (Belo Horizonte).
RUCKER VIEIRA (Alexandre Figueirôa)
Rucker Vieira entrou para a história do cinema brasileiro por ter feito, em 1960, a fotografia de Aruanda. Esse documentário, dirigido por Linduarte Noronha, é considerado o filme que inspirou o modelo estético do Cinema Novo. Glauber Rocha e outros realizadores dos anos 60, críticos e historiadores foram unânimes em afirmar que a luz crua de Rucker Vieira vista também em trabalhos como Cajueiro Nordestino (1962, direção de Linduarte Noronha) e A cabra na região semi-árida (1962, esse com direção do próprio Rucker Vieira) influenciaram diretamente as concepções visuais que nortearam o movimento. 
Nos anos 70, Vieira continuou sua carreira fotografando curtas de Fernando Monteiro, Fernando Spencer e alguns filmes em super 8 de Jomard Muniz de Britto. Foi cinegrafista da TV Universitária e da Fundação Joaquim Nabuco e depois dedicou-se a realização de filmes e vídeos institucionais. Aos poucos, porém foi sendo esquecido e apenas o jornalista e cineasta Amin Stepple realizou, no início dos anos 90, um vídeo sobre ele. Nos últimos anos Rucker Vieira foi morar em Roraima e morreu no início de 2001 sem que o fato tenha sido registrado ao menos nos jornais locais. 
ARTESÃO DA IMAGEM
Fiquemos certos de que Aruanda quis ser verdade antes de ser narrativa: a linguagem como linguagem nasce do real, é o real, como em Arraial do Cabo. [Linduarte] Noronha e [Rucker] Vieira entram na imagem viva, na montagem descontínua, no filme academicamente incompleto. Aruanda inaugura assim o documentário brasileiro. [...] Os dois cineastas podem realizar um trabalho inestimável no levantamento visual socioantropológico do Nordeste. E para isso não é importante ter apenas uma câmera: é necessário o senso de cinema natural em [Linduarte] Noronha e [Rucker] Vieira; a cultura-método-humildade-coragem artística de Linduarte Noronha; a modernidade da luz do fotógrafo Rucker Vieira, inimigo dos crepúsculos à Figueroa, dos filtros sofisticados: sua luz é dura, crua, sem refletores e rebatedores, princípios da moderna escola de fotografia cinematográfica do Brasil. 
Glauber Rocha. 
In: Revisão Crítica do Cinema Brasileiro.
E Rucker, que embora soubesse os procedimentos da arte fotográfica e cinematográfica, fez Aruanda da maneira mais apropriada e sensível, o mais parecido possível com seu objeto de estudo, seu objeto de enfoque, que era a própria rusticidade, que era a própria aridez do meio e do produto cultural - a cerâmica ou o cultivo do algodão. [...] Eu falo justamente dessa fotografia, desta luz que vem rasgando, daí a palavra rascante tantas vezes usada, que vem se assemelhar em muito à gravura popular. O que é preto é preto, o que é branco, é branco, não tem matizes, isso virou um estilo, não existia antes. Aruanda rompeu e inaugurou um estilo de fotografar no Nordeste. 
Vladimir Carvalho.

Um comentário:

C. L. DeMedeiros disse...

existe algum meio de assistir o filme documentario Arraial do Cabo de Paulo Cesar Saraceni on line?

Carlos