sábado, 9 de maio de 2009

Janela Indiscreta e o Voyeurismo de Hitchcock por Tiago Bacelar










Na nossa sociedade contemporânea, com reality shows como o Big Brother Brasil e programas sobre personagens do cinema e da TV, existe por parte do público um sentimento enorme pela vida alheia, pelo voyeurismo. É uma prática, em que um indivíduo não interage com o objeto de sua curiosidade e o observa a distância com o auxílio de binóculos, câmeras e teleobjetivas.
No cinema, o voyeurismo já foi explorado por Brian De Palma, nos anos 80, em Dublê de Corpo, por Michael Haneke, em Caché, e nos filmes do italiano Tinto Brass. Entretanto, foi o mestre do suspense, Alfred Hitchcock, que abordou o tema de forma mais relevante, em Janela Indiscreta (Rear Window), de 1954.
Hitchcock nasceu na região de Leytonston, em Essex (atual Londres), na Inglaterra, no dia 13 de agosto de 1899. Filho de um verdureiro, Hitchcock estudou na sua infância na tradicional escola católica Saint Ignatius College, seguidora dos pensamentos do jesuíta Inácio de Loyola. Após perder seu pai aos 14 anos, trabalhou com design gráfico de publicidade.
No começo dos anos 20, produziu muitos cartões de diálogos para filmes mudos da Paramount Pictures. De 1923 a 1925, Hitchcock trabalhou em Berlim, na Alemanha, como cenógrafo e assistente de direção nas produções da UFA (Universum Film AG), a mesma dos filmes expressionistas alemães “O Gabinete do Doutor Caligari”, de Robert Wiene, e “Metropolis”, de Fritz Lang.
Em 1925, a UFA promoveu Hitchcock para diretor no filme “O Jardim dos Prazeres”. Seu primeiro sucesso viria no ano seguinte com “O Inquilino”, um suspense inspirado nos crimes cometidos por Jack, o Estripador. Nesse filme, Hitchcock criou uma marca registrada sua, uma aparição em cada uma de suas produções.
Esse aspecto marcaria o desenhista Stan Lee, que tem aparecido nas adaptações para cinema de suas obras. Em Janela Indiscreta, Hitchcock aparece aos 26 minutos, ajustando o relógio do compositor, que mora no prédio em frente ao apartamento de Jeffries. Em 1926, Hitchcock casou-se Alma Reville, que trabalhava com ele como assistente de direção na Paramount.
Sua primeira filha, Patrícia, nasceria dois anos mais tarde. O som chegou ao cinema e Hitchcock mudou-se, em 1929, para a Inglaterra para ser pioneiro no primeiro filme sonoro de lá, “Chantagem e Confissão”. Em 1933 foi contratado pela Gaumont-British Picture Corporation para produzir “O Homem que sabia Demais”. Dois anos depois trouxe para o cinema, em “Degraus” o “Mcguffin”, um artefato que motiva os personagens e desenvolve uma história para prender o espectador. “Senhor dos Anéis” e “Indiana Jones” são exemplos de produções que usaram desse artifício de Hitchcock.
Depois de produzir “A Dama Oculta”, seu último filme inglês, Hitchcock vai para os Estados Unidos ganhar seu primeiro Oscar de melhor filme, por “Rebecca”, inspirado na obra de “Daphne Du Maurier”, tendo em seu elenco Laurence Olivier e Joan Fontaine. Nos anos 40, Hitchcock passa por vários gêneros: comédia (Um Casal do Barulho), noir (A Sombra de Uma Dúvida, filme em que usou sua experiência na UFA), e ficção (O Caso Paradine).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Hitchcock produziu “Quando Fala o Coração”, com Ingrid Bergman (Casablanca) e Gregory Peck. O filme recebeu indicações para melhor filme, melhor direção e melhor ator coadjuvante para Michael Chekhov. Nos bastidores, Hitchcock despertou a ira do produtor David Selznick ao usar obras de Salvador Dali para realçar cenas de confusão mental.
O próprio Selznick situações inusitadas como levar sua terapeuta para usar no filme suas “experiências” com psicanálise. A desavença gerou no rompimento dos dois. O resultado disso aconteceu em “Notorious”, com Cary Grant e Ingrid Bergman, que se tornou no primeiro filme dirigido e produzido por Hitchcock. Com Gregory Peck, Hitchcock fez sua primeira produção colorida, “O Caso Paradine”.
“Festim Diabólico” marcou a entrada nos filmes de Hitchcock, de James Stewart, protagonista de “Janela Indiscreta”. Stewart nasceu em 20 de maio de 1908, em Indiana, na Pensilvânia. Durante sua vida recebeu cinco indicações como melhor ator ao Oscar, tendo vencido em apenas uma ocasião, por “A História da Filadélfia (1941)”. Seu filme de estréia foi “Entre a Honra e a Lei”, de 1935. Stewart despontou como ator em “Senhor Smith vai para Washington (1939), de Frank Capra. Nesse filme, criou o papel que o marcaria em sua carreira, o idealista convicto.
Em 1941, foi para a Segunda Guerra Mundial como coronel da Força Aérea dos Estados Unidos. Seu filho Ronald Stewart, resultado de sua união matrimonial com a ex-modelo Glória Hatrick McLean, foi morto em 08 de junho de 1969 em combate na Guerra do Vietnã. James Maitland Stewart, o Jimmy, como era conhecido pelo público, faleceu no dia 02 de julho de 1997, tendo feito 58 filmes, seis participações para TV e 10 peças para a Broadway.
Estrelado por Ingrid Bergman e produzido em 1949, o filme “Sob o Signo de Capricórnio, de Hitchcock, foi um fiasco total. Isso em virtude do romance de Bergman com o diretor italiano Roberto Rossellini, um dos mais importantes cineastas do neo-realismo italiano e diretor do clássico Roma, Cidade Aberta, de 1945. Em 1951, Hitchcock se supera com “Pacto Sinistro”, considerado pelo vencedor do Prêmio Pulitzer e crítico de cinema, Roger Ebert, como “o melhor filme de todos os tempos”.
“Pacto Sinistro” foi baseado no livro de Patrícia Highsmith, escritora de “O Talentoso Ripley”, que foi adaptado por Anthony Minghella, em 1999, com Matt Damon (Gênio Indomável e Bourne), Jude Law (Cold Mountain), Cate Blanchett (Elizabeth e Senhor dos Anéis) e Gwyneth Paltrow, vencedora do Oscar de melhor atriz por seu papel em Shakespeare Apaixonado. “Pacto Sinistro” foi o primeiro filme de Hitchcock, distribuído pela Warner Brothers, e viria a ser inspiração para “Jogue a Mamãe no Trem”, de 1987, com Billy Crystal e Danny DeVito.
Em 1954, conheceríamos nos filmes de Hitchcock outra estrela de “Janela Indiscreta”, Grace Kelly. “Disque M para Matar” foi baseado na peça de Frederick Knotte e marcou a primeira utilização por parte de Hitchcock de efeitos de computação gráfica, em 3D. A diva dos filmes de Hitchcock, Grace Kelly, chegou ao mundo na Filadélfia, estado da Pensilvânia, em 12 de novembro de 1929.
Grace Kelly começou sua carreira cedo, com apenas 12 anos, estrelou uma peça chamada “Não Alimente os Animais”. Por ser péssima em matemática, não foi aceita pela Escola de Artes de Bennington e desistiu de atuar como atriz de teatro. Foi para Nova York estudar na Academia Americana de Artes Dramáticas, responsável pela formação de artistas como Lauren Bacall e Katharine Hepburn.
Em 1951, estreou para o cinema no filme “14 Horas”. No seguinte, fez par romântico com Gary Cooper, em “Matar ou Morrer”, produção que ganhou uma sátira das chanchadas produzidas no Brasil pela Atlântida, chamada de “Matar ou Correr”, estrelada por Oscarito e Grande Otelo. Em 1953, Grace Kelly foi caçar gorilas africanos com Clark Gable (E O Vento Levou) e Ava Gardner (The Night of the Iguana).
Ganhou o Oscar por Amar é sofrer como melhor atriz, atuando ao lado de Bing Crosby. Em 1955, por ironia do destino, no filme “Ladrão de Casaca”, de Alfred Hitchcock, Grace Kelly aparece na estrada em que morreria num acidente de carro 27 anos depois. Seu último filme foi “Alta Sociedade”, de 1956, em que atua com Bing Crosby e Frank Sinatra. No mesmo ano, casa-se com o príncipe Rainier III, e se torna a Princesa de Mônaco.
Teve três filhos: Caroline, Albert II e Stéphanie. No dia 14 de setembro de 1982, Grace Kelly morre de derrame cerebral num acidente de carro em Monte Carlo. Em sua homenagem, foi criada por sua filha mais velha, Caroline, a Fundação Grace Kelly com o objetivo de formar e ajudar talentos para o teatro e para o cinema. Seu filho Albert II é hoje o atual monarca do principado de Mônaco. Grace Kelly foi listada pelo Instituto de Cinema Norte-Americano como uma das 50 maiores lendas do cinema.
Em 1954, Alfred Hitchcock cria um dos seus maiores sucessos “Janela Indiscreta”, com 112 minutos de duração. Filmado em escala 1.66:1 com lentes anamórficas, o filme nos conta a história do fotógrafo profissional L. B. “Jeff” Jeffries (James Stewart), que se vê obrigado a ficar numa cadeira de rodas, em virtude de estar com uma perna quebrada. Por morar num conjunto residencial, cheio de apartamentos ao seu redor, Jeff fica obcecado pelos dramas privados dos seus vizinhos do outro lado do pátio e passa a observá-los com a sua teleobjetiva.
Quando suspeita que um vendedor do prédio da frente possa ter matado a esposa, ele pede ajuda a sua deslumbrante namorada Lisa (Grace Kelly), que sonha em casar com Jeff, a investigar uma cadeia de acontecimentos suspeitos. O roteiro de “Janela Indiscreta”, criado por John Michael Hayes, é baseado num conto de Cornell Woolrich, publicado originalmente em 1942, sob o título “It Had to be murder”.
O filme recebeu quatro indicações nas categorias de Melhor Fotografia (Robert Burks), Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora e Melhor Roteiro e ganhou três prêmios – Edgar Allan Poe Awards por melhor filme, National Board of Review por melhor atriz com Grace Kelly e New York Film Critics Circle Awards por melhor atriz com Grace Kelly. Em Janela Indiscreta, há uma hipertextualidade. Jeff seria uma representação do espectador, e as janelas dos apartamentos as seqüências de um filme, que são compreendidos por meio da montagem dos fragmentos visíveis.
Neste filme de Hitchcock existe também uma interatividade com o espectador, colocando-o como voyeur da vida do personagem “Lars Thorwald”, o assassino interpretado por Raymond Burr. Um exemplo claro disso é quando Lars confronta Jeff com a seguinte fala: “o que você quer de mim?”, jogando a pergunta para o espectador com um close-up em seu rosto.
Em outubro de 1984, o ator James Stewart veio ao Rio de Janeiro divulgar o relançamento de quatro filmes de Hitchcock, dentre eles, Janela Indiscreta. Em conversa com o crítico de cinema, Luiz Alípio de Barros, Stewart afirmou que Jeff era seu trabalho preferido, um personagem criado metade por ele e metade por Hitchcock. Para ele, Jeff é “uma figura de olhar sensível e atento e a um passo de uma vertigem visual. Um personagem que na tela age essencialmente como um ideal espectador de cinema. Perna quebrada, preso a uma cadeira, confinado num cenário escuro, meio acordado meio dormindo diante da janela, ele se comporta como um espectador de cinema”.
No cinema, o espectador se confunde com o personagem, se projeta em cena. Dessa forma, em Janela Indiscreta, Hitchcock criou um espelho perfeito: o espectador-personagem e o personagem-espectador, um mecanismo de perfeita relação do mundo diegético com o espectador do mundo real.
Para Stewart, “Jeff vê apenas o que aparece diante da janela. Alguma coisa se passa na rua, mas ele não vê. Alguma coisa se passa por trás da janela fechada do apartamento em frente, mas ele não vê. Alguma coisa se passa por trás da janela fechada do apartamento em frente, mas ele não vê. O que se passa então está fora de quadro. Ele adivinha, imagina estimulado por um detalhe, apanhado pelos olhos ou ouvidos aqui e ali. Soma os pedaços que vê, interpreta o que vê em busca de um significado, sonha uma ficção. Olho que pensa, age só com a cabeça”.
Quando o bandido do filme Thorwald sai da tela para atacar o espectador-personagem, Jeff quebra a mágica da projeção, acendendo a luz do flash de sua câmera. Vejamos como essa seqüência foi feita. Numa externa noturna, vemos Thorwald deixar seu apartamento e proceder para descer pelo corredor. Jeff diz para Coyne que Thorwald descobriu que está observado. Jeff desliga o telefone e se dirige a janela para olhar para o apartamento de Thorwald.
Jeff olha pela janela e fica um pouco confuso com o que ele vê. Entra um plano meio-longo no apartamento de Thorwald. Completamente escuro. Nenhum movimento, ou fumaça de cigarro. O corredor de fora do apartamento está com a luz acesa, mas vazio. Voltamos ao apartamento de Jeff em um plano médio. A porta. Silêncio no apartamento, e no corredor. Luz mostrada por debaixo da porta do corredor. Um close em Jeff, olhando, esperando, nervoso. Ele procura pelo telefone, mas muda de idéia. Ele olha ao redor por algum tipo de arma, encontra nenhuma que seja ideal.
Ele escuta barulhos e volta a ficar em frente da porta novamente. Plano Médio na porta. Outro barulho, passos cada vez mais rápidos, que em qualquer outro momento não teria nenhum significado, mesmo que pudesse ser escutado. Então, a luz embaixo da porta desaparece. Escuro. Close em Jeff que se afasta da porta, para e se afasta novamente. Plano médio na porta. Nenhuma dúvida sobre isso. Escuridão.
Em um close meio afastado, Jeff procura novamente por uma arma, e quase por instinto pega o flash de sua câmera e um pequeno pacote de baterias que ele tinha retirado para avisar Lisa anteriormente. Ele tenta mover sua cadeira de rodas mais para dentro possível das sombras. Seus olhos estão virados para a porta de seu apartamento, e seus sentidos estão em alerta como um cão de caça. Ele respira meio assustado.
Plano médio na porta. Só um mínimo som é escutado quando a maçaneta da porta vira. A porta abre de forma devagar e suave, mas o corredor está tão escuro para dizer quem está entrando. A porta fecha calmamente. Das sombras ressoa uma voz pesada. Uma voz ameaçadora. Thorwald pergunta: O que você quer de mim? Thorwald sobe para o topo da escada, e agora está de alguma forma visível.
Ele aparenta ser agressivo, alto e explosivo. Thorwald diz: Sua amiga – a garota – poderia ter me denunciado. Por ela não fez isso? Jeff não responde. Seus olhem assistem Thorwald. Jeff lambe seus lábios com a tensão nervosa e agarra o flash de sua câmera. Num Plano médio, Thorwald desce dois passos, para e diz: O que você quer? Muito dinheiro? Eu não tenho dinheiro.
Jeff não responde. Thorwald diz: Diga alguma coisa! E dar alguns passos para frente. Thorwald de repente aumenta seu tom de voz e diz: Diga alguma coisa! Diga-me o que você procura? Plano em close-up sob Jeff, que ainda não fala. Ele ergue seu flash um pouco mais, o ajeita como estivesse preparado para usá-lo. Meio close-up em Thorwald, que avançou até o meio da sala, concentra seus olhos sobre Jeff.
As mãos de Thorwald estão sendo controladas num esforço para controlar sua fúria. Thorwald diz: Você pode pegar para mim aquele anel de volta? Jeff responde sem se mexer: Não. Thorwald de forma agressiva: Diga a ele para trazer o anel de volta! E avança um passo. Jeff: Eu não posso. A Polícia tem isso agora.
Thorwald: Então, se a polícia me pegar, você não ficará por aí para rir de mim. E começa a se mover violentamente em direção a Jeff. Em um meio close-up, de um ângulo de três quartos à frente de Thorwald, Jeff ergue o flash até a altura de seu rosto e fecha seus olhos. Ele dispara o flash.
Close-up no rosto de Thorwald, que preenche a tela, registrando choque, confusão. Ele coloca suas mãos como proteção e se recupera, fazendo um involuntário som de surpresa. Em Plano mais Aberto, uma visão de Jeff e do apartamento como visto por Thorwald. Isso fica distorcido e fora de foco, repleto de largas bolas espiraladas de brilho amarelo. Close-up em Thorwald tentando recuperar sua visão.
Jeff retira em meio close-up a bateria usada e rapidamente coloca outra. Ele trabalha furiosamente. Quando o flash fica pronto, Thorwald já ameaça vir em sua direção. Jeff fecha seus olhos e outro disparo é feito no rosto de Thorwald. Em Close-up, em tela-cheia novamente, o rosto de Thorwald recolhe-se do flash. Em plano mais aberto, o apartamento é visto outra vez pela ótica de Thorwald com grandes e espiraladas esferas de um amarelo capaz de cegar.
Num plano médio, Thorwald direciona-se contra a mesa, jogando objetos no chão, buscando por balanço e visão. Jeff trabalha rapidamente para colocar uma nova bateria no flash. Em meio close, Thorwald recupera seu equilíbrio e um pouco de sua visão. Dessa vez, quando o flash dispara, nós vemos isso da visão de Jeff. Thorwald está quase branco, chocado, revelando cada detalhe de seu rosto, roupas e mãos.
Sua raiva e frustração estão fixadas por um breve, mas terrível momento. Ele recolhe-se novamente, tentando se livrar da luz em seu rosto quase como se isso fosse uma substância sólida. Em meio close, Jeff ejeta uma bateria e coloca a última no seu flash. Ele tenta mover a cadeira de roda mais distante de Thorwald.
Ele dispara o flash novamente. Ao fundo, nós vemos: Coyne, Lisa, Stella e os detetives chegam à porta do apartamento de Thorwald. Tentam abri-la. Fechada. Um dos homens consegue abrir a fechadura. Os detetives entram rapidamente no apartamento fechado. Coyne acende as luzes da cozinha. O grupo vai para a sala. As luzes são acesas. Nenhum sinal de Thorwald. Coyne, Lisa e Stella instintivamente viram-se e olham em direção ao apartamento de Jeff.
Em plano médio, do apartamento de Thorwald, a câmera viaja até a janela de Jeff. Uma repentina luz é vista e a última bateria do flash se esgota. E isso ilumina a cena de Jeff na cadeira de rodas e Thorwald na frente dele. A escuridão aparece mais sombria que antes. Em outro plano médio, Thorwald finalmente alcança Jeff, tirando o flash das mãos. Ele aparentemente está tentando derrubar Jeff da cadeira de rodas.
Jeff tenta lutar com ele. A cadeira de rodas cai, jogando Jeff ao chão. Thorwald está em cima dele, pegando, puxando ele para a janela. Jeff tenta de todas as formas fazer o que ele pode para se manter longe da janela, mas Thorwald é muito mais forte que ele. Jeff é colocado no parapeito da janela por Thorwald, que diz: Eu darei a você uma boa visão da janela. Devagar, ele empurra Jeff em direção a janela, que tenta se segurar com os braços. Thorwald ergue o resto do corpo de Jeff para jogá-lo.
Em plano médio, voltamos novamente para Coyne, Lisa, Stella e os dois detetives, que vêem Jeff saindo da janela. Lisa entra em pânico e grita: Jeff! Jeff! Entra um plano médio longo do ponto de visão de Coyne, em que Jeff ultrapassa a janela, fica pendurado e Thorwald começa a bater em suas mãos e braços. Coyne puxa Lisa e começam a descer pela parede, seguidas pelos dois detetives.
Em plano médio, Thorwald luta para derrubar Jeff. Close de cima para baixo, focalizando o rosto de Jeff, mostrando sua persistência e o sofrimento do ataque de Thorwald. O chão do pátio parece estar a 100 pés abaixo. Em Plano médio Thorwald e Jeff lutando. Em meio Close, Coyne pula da parede. Lisa, Stella e os dois homens abaixo, observando. Lisa está pálida e assustada.
Em plano médio Thorwald pressiona as mãos e braços de Jeff, que começa a se soltar da janela. Em meio close Coyne alcança o prédio de Jeff e olha para cima em direção a ele. Em plano médio longo Jeff, visto do ângulo de visão de Coyne, tenta de alguma forma suportar o insano ataque de Thorwald. Num plano em meio close, Coyne procura por seu revólver de serviço. Ele não está com ele. Coyne vira e chama por um dos detetives. Creel! Seu Trinta e Oito!
Em meio close, olhando nos dois detetives, do ponto de visão de Doyle, Creel pega seu revólver e o joga. Em meio close novamente, Coyne pega o revólver e se dirige para o apartamento de Jeff. Para ver o final dessa história, recomendo assistir ao filme. Segundo James Stewart, “Hitchcock traduz em Jeff o processo, o meio sensível, a fotografia ou a possibilidade de montar imagens tal como nos ensina o cinema, com a incorporação do fora do quadro, é que nos permite ver o que se esconde dos olhos”.
“Janela Indiscreta” prende a atenção do espectador, através de sua narrativa, de sua brincadeira com a condição do espectador de cinema com o olhar e com o modo de ver. O filme possui mais de 1000 planos descontínuos, compostos na montagem como uma coisa só, e é esta estrutura que dá coesão a história contada.
O set de filmagem de “Janela Indiscreta” foi o maior já construído, na época pela Paramount Pictures, tendo sido baseado num quarteirão real de Nova York. As filmagens foram feitas do ponto de vista do apartamento de Jeff, prova disto foi o fato de Hitchcock ter dirigido somente lá. Quando havia gravações nos apartamentos da frente, os atores se comunicavam com Hitchcock por fones de ouvido.
Em 1998, “Janela Indiscreta” ganhou um remake, dirigido por Jeff Bleckner, com Christopher Reeve (Super Homem), Daryl Hannah e Robert Forster. Para Hitchcock, em entrevista para Truffaut, “quando a pessoa que interpreta é tão simpática quanto seu personagem, a emoção do espectador duplica. É o caso da Lisa, de Grace Kelly, em Janela Indiscreta. Na estréia do filme, estava sentado ao lado da mulher do ator Joseph Cotten (Cidadão Kane). Quando Grace Kelly se encontra na casa do assassino e ele aparece no corredor, a mulher de Cotten estava tão inquieta que se para seu marido e disse: Faz algo, faz algo”.
Truffaut considera interessante a neutralidade que Hitchcock espera do ator principal. Para ele, em “Janela Indiscreta”, o ator James Stewart “não tem que expressar nada, simplesmente lança três ou quatro olhares e logo ele nos mostra o que vê”. Para Hitchcock, no outro lado do pátio, há “todo tipo de conduta humana, um pequeno catálogo dos comportamentos. Era absolutamente necessário fazê-lo, pois, caso contrário o filme não teria tido interesse. O que se vê naqueles apartamentos, é uma quantidade de pequenas histórias, é o espelho de um pequeno mundo”.
“Janela Indiscreta” aborda também a questão do amor. James Stewart não tem muita vontade de se casar com Grace Kelly e nos apartamentos da frente encontramos: o problema do amor e do matrimônio: estão lá à mulher solitária; sem marido nem amante; os jovens casados que praticam o amor todo dia; o músico solteiro; a bailarina que os homens desejam; a mulher sem filhos ligada pelo afeto a seu animal de estimação; e a mulher casada com problemas com o marido e termina por ser morta.
A trilha composta por Franz Waxman termina por influenciar a narrativa de “Janela Indiscreta” em dois momentos: quando o compositor termina sua música, a mulher solitária desiste do suicídio, e no mesmo momento, James Stewart compreende que gosta realmente de Grace Kelly. Seguindo a lógica da narrativa de Sdy Field em três atos (Exposição, conflito e resolução), Hitchcock mostra-nos um primeiro ato de forma bem diferente da tradicional.
Somos apresentados aos personagens da seguinte forma: a câmera passeia pelo pátio adormecido e vai se recolher no rosto de James Stewart. Segue até uma mesa na qual se vê equipamentos fotográficos e um monte de revistas. Na parede, se vêem fotos de carros de corrida em plena ação. Neste primeiro e único movimento de câmera, sabemos onde estamos; quem é o personagem; qual sua profissão e o que aconteceu. Da mesma forma, Grace Kelly é apresentada com James Stewart sozinho em sua casa. Em seguida, subitamente entra em quadro o rosto de Grace Kelly e começa os beijos.
Na cena, que Grace Kelly entra no apartamento do criminoso e encontra a aliança da vítima. Ela coloca a aliança no dedo e mostra para James Stewart. Para Grace Kelly é como uma vitória dupla. Ela teve êxito na sua investigação e conseguirá se casar com ele, pois já tem o “anel no dedo”. “Janela Indiscreta” é citado em “O Homem que Copiava”, aonde encontramos Sílvia (Leandra Leal), vizinha de André (Lázaro Ramos), cuja paixão por ela é puro voyeurismo praticado pelo protagonista. Amor, morte, culpa, humor, terror e, logicamente, suspense foram o cardápio que Hitchcock servia de maneira genial, mesmo nos piores momentos da sua obra e da sua vida.
Prendia-se a detalhes de seus filmes. Impecável, Hitchcock sabia a quantos graus deveria virar a câmera, qual o movimento da câmera, tudo com suas perfeições. Em 1956, Hitchcock fez um remake de “O Homem que Sabia Demais (1934)”, considerada por ele como melhor que a original. No filme estrelado por James Stewart, Doris Day canta a música “Que Será, Será”.
Depois, viria a produzir “Um Corpo que cai (1958)”, “Intriga Internacional (1959)”, “Psicose (1960, filme famoso pela cena que Janet Leigh é assassinada a facadas)”, “Os Pássaros (1963)”, “Topázio (1969)” e “Frenesi (1972)”. Seu último filme foi “Trama Macabra” com Karen Black e Bruce Dern. Morreu em 1980, de insuficiência renal, em sua casa em Los Angeles. No Brasil, Hitchcock recebeu uma homenagem feita por Maurício de Souza, que o Bidu interpretava filmes famosos do diretor. Foi marcado por nunca ter recebido em vida o Oscar de melhor de diretor.


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