domingo, 28 de outubro de 2007

História do Mangá Parte 2

História do Mangá Parte 2
Por Tiago Bacelar
A história do mangá começa com os editores, considerados, no final do século XVII, pelo governo Tokugawa, como pertencentes da classe mais baixa da sociedade. Em virtude disso, os editores, que faziam parte da classe dos artesões, e os mercadores, por serem em maior número em cidades como Kyoto, Osaka e Edo, passaram a serem conhecidos como chonin – pessoas da cidade. Em 1702 houve o primeiro indício de descontentamento como os Tokugawa, com a famosa vingança dos 47 ronins, quando samurais se rebelaram. Apesar dos períodos de turbulência, a Era Ieyasu trouxe aspectos importantes para a cultura como a primeira aparição do Kabuki, em 1600, quando o mesmo lutava na batalha de Sekigahara, e o nascimento de ningyo joruri[1], em Kyoto e Osaka, por volta de 1630. O progresso da cultura nativa japonesa, durante a dinastia Tokugawa, foi de grande auxílio para o nascimento de grandes autores como Basho Matsuo (1644–1694), que foi o maior poeta de haiku[2], e Monzaemon Chikamatsu (1653 – 1724), considerado o "Shakespeare japonês[3]” por ter começado escrevendo para o teatro de Marionetes. O rígido controle sobre a economia, por parte dos Tokugawa, não impediu o crescimento das grandes cidades e o enraizamento de uma série de normas e tradições que ditariam a cultura nipônica para as próximas gerações. Porém, essas boas notícias não impediram que viesse, ao conhecimento da população, uma série de falhas do shogun no quesito das relações do Japão com o exterior.
Estava evidente que o isolamento proporcionado por Ieyasu tinha gerado uma enorme cratera entre o progresso japonês e o mundial. Dessa forma, os contatos com os ingleses e russos foram reativados somente em 1950. Três anos depois, o comodoro americano Matthew Perry entrou em Tóquio com uma esquadra de quatro navios, buscando tentar persuadir as autoridades japonesas a firmar o Tratado de Kanagawa, pondo um fim ao isolacionismo, através da abertura dos portos. Em 1856, graças a Perry, o diplomata norte-americano Townsend Harris foi ao Japão para assinar o Tratado de Comércio e Navegação. Na mesma época, o shogun assinou tratados semelhantes com a Holanda e a Rússia. Em 1861, os Tokugawa fecharam questão com a França e com a Inglaterra. Vale-se ressaltar que essa atitude do governo de abrir os portos aumentou a pressão de várias correntes sociais e políticas, que temiam o fim da estrutura feudal. A guerra civil inevitável se prolongou por cerca de uma década, até que o sistema feudal do shogunato Tokugawa desmoronou em 1867. Os grandes fenômenos culturais dessa época foram os teatros populares do Kabuki e do Bunraku. Eles trouxeram como conseqüência a produção de ilustrações com características bem particulares, que retratavam com louvor o modo de vida político, econômico e cultural dos japoneses. Por volta de 1860, essas gravuras já empregavam cerca de seis mil pessoas.
Feitas e esculpidas em madeira, esses tipos de artes foram chamados de ukiyo-ê. Elas tinham como principal característica fazer uma crítica aos lordes feudais, responsabilizando-os pelo estado que as classes mais pobres se encontravam. Vale-se ressaltar, que elas não eram diretas, ou seja, os artistas usavam símbolos para fazer ataques indiretos cheios de ironia e ressentimento. As ilustrações tentavam atingir o mais profundo dos sentimentos humanos, sem se preocuparem muito com a anatomia dos personagens retratados. Dessa forma, os ukiyo-ê não poderiam em hipótese nenhuma ser enquadrados na categoria de caricatura, pois a semelhança com a pessoa satirizada é fundamental. Elas foram utilizadas como forma de arte no período de 1600 a 1867.
O ukiyo-ê tinha na sua essência uma relação muito forte com os mangás, pois eram segundo Inoue[4]: “recheadas da realidade nua e crua nipônica, do modo de vida desse povo e entretinham como um meio de aliviar a tensão e o estresse do dia a dia. Essas gravuras eram verdadeiras obras de arte”. Um exemplo dessa força do ukiyo-ê pode ser visto com o nascimento do artista Kuniyoshi Utagawa em 15 de novembro de 1797. Aos 18 anos, em 1815, Utagawa desenvolve o seu primeiro trabalho, um livro de ilustrações. Em 1829, torna-se um mestre do ukiyo-ê com a série Suikoden Nishikie[5]. Kuniyoshi acabou se firmando como especialista em imagens de guerreiros samurais. As coisas foram andando lentamente para Utagawa depois dessa época e outras obras foram criadas. Toto Meisho é provavelmente seu trabalho mais conhecido, destacando-se também Soma no Furudairi, Myoukai Kou Goju Sanbiki e Miyamoto Musashi no Kujirataiji. Essa última retratava o lendário samurai Miyamoto Musashi e o seu estilo Kujirataiji. Sua forma de desenhar parecia muito com os quadrinhos e foi de certa maneira um prelúdio para o surgimento do mangá. Utagawa deixa, ao falecer, em cinco de março de 1861, um discípulo, Gyodai Kawanable (1831-1889), o qual viria a se tornar um desenhista muito influente. Tanto Utagawa como Gyodai foram importantes para a consolidação do ukiyo-ê como forma de retratar a época. Dessa forma, acabaram surgindo vários novos artistas, os quais a maneira que iam evoluindo, o mangá começava a nascer. Começaram, então, a partir desse momento histórico, o qual o Japão vivia os indícios do surgimento de um tipo de arte que iria mudar a história de todo um povo. Entre os artistas do ukiyo-ê, estava Katsushita Hokusai (1760-1849). Ele foi à primeira pessoa a cunhar a palavra mangá. Apesar de existirem algumas evidências de que ela foi usada antes, entre 1761 e 1816, pelo renomado autor Santo Kyoden, o qual teria utilizado esse termo para denominar os retratos falados que fazia das pessoas que compravam tabaco na sua loja. Até hoje, essa teoria não é aceita pela total falta de provas. Entre 1814 e 1849, Hokusai criou uma série de 15 volumes chamada por ele de Hokusai Manga.
Eles são um espelho daquele tempo e do próprio gênio do autor, sabendo captar e ilustrar a vida como um todo. Foi um marco para o surgimento do mangá moderno, mas parecia mais com uma ilustração do que com uma história em quadrinhos. A palavra mangá não foi usada para descrever essa forma de arte até os séculos XVII e XVIII. Katsushita Hokusai era uma pessoa que tinha uma filosofia muito diferente sobre a arte e os portifólios feitos em blocos de madeira, que eram típicos para a época. Ele era um homem com uma natureza um tanto rebelde.
Hokusai nasceu na província de Honjo, ao leste de Edo, em 1760, e, começou a se interessar por desenho desde os cinco anos. Sua entrada para o mundo do ukiyo-ê ocorreu quando tinha apenas 16 anos. Em 1789, Hokusai ganhou fama ao publicar trabalhos sobre os atores do Kabuki. Passado essa fase, ele começou a fazer ilustrações mais adultas, abordando temas como a pornografia, o erotismo, o drama e o romance.
Nesse período, Hokusai buscava chocar a sociedade e o próprio governo com a sua ousadia. Devido a isso, seus trabalhos acabaram sendo censurados várias vezes. Nos anos 20, Hokusai pintou as séries sobre as Pontes, Shokoku Meikyo Kiran e as Cascatas, Shokoku Takimeguri. Em 1934, ele produziu as 36 Visões do Monte Fuji, Fugaku Sanjurakkei. Nesse trabalho, o artista mostrou vários caminhos de se ver esse famoso ponto turístico do Japão. Com essa série de quadros, Hokusai tornou-se uma referência para os amantes e também iniciantes da arte do ukiyo-ê. Hokusai era conhecido por responder aos seus professores e por desafiar continuamente seus métodos de fazer coisas. Poderia eventualmente fazer a sua própria arte, e isso foi pensado através dos quase 30 mil objetos artísticos comprados por ele. Alguns eram agrupados em coleções e livros, e, que o fez sobreviver no meio. Hokusai fez muitos objetos diferentes, influenciados pelas artes e filosofias artísticas francesas e holandesas de grandes nomes como Degas, Van Gogh, Monet e Toulouse-Lautrec. Mas, vale-se ressaltar, que nenhum desses trabalhos, se pareceu com o seu estilo original que tinha chamado de mangá. Para Hokusai[6], “o mangá não era uma arte de desenhar personagens em uma história e nem para prestar atenção a detalhes minuciosos”.
Hokusai planejou criar um novo tipo de entretenimento ou uma parte significativa da arte de ilustrar o cotidiano. Mais tarde, o uso de Hokusai do termo mangá seria denominado para o seu método de desenhar uma imagem de acordo com o caminho que o seu pincel deslizou através da página em sentido aleatório. Os seus traços davam à impressão de que giravam para fora do quadro. A maior parte das ilustrações feitas por Hokusai era de retratos das paisagens que ele presenciou nas suas andanças pelo país. Os especialistas japoneses reconheceram os detalhes da natureza da arte que Hokusai queria extrair, e, que era algo contrário a toda arte conhecida até então. Artistas conceituados na época tentaram extrair para os seus trabalhos toda a essência da arte de Hokusai. Essa proposta livre de Hokusai, embora ele inicialmente não pretendesse que fosse ser assim, pode ter sido a base para a diversidade dos artistas de mangá nas décadas seguintes. Eles passaram a ver que não deveria existir um formato pré-determinado para se criar uma imagem, e, que eles podiam inovar desenhando muitos tipos diferentes de personagens e de histórias. Toda essa abertura fez, com que, desenhistas com a visão mais aberta aceitassem mais esses novos estilos de desenhar e que eram muito mais do que ele queria descrever nas suas histórias. E embora Hokusai tenha feito uma pequena descoberta com este estilo de arte (um de muitos tipos que ele usou), não imaginava que no século XX, o mangá, termo criado por ele, viria a se tornar uma das mídias mais importantes do Japão e do mundo.
[1] Teatro de Marionetes
[2] Poema de 17 sílabas.
[3] Shimizu, Isamu. History of Manga, Tóquio, Japão: Iwanami Shoten, Publishers. 1991. p. 27.
[4] INOUE, M. Manga no yomikata. Tóquio: ed. Takarajimasha. 1995.p.32
[5] Os 108 heróis mais populares de Suikoden.
[6] HOKUSAI, K. Fugaku Sanju Rokkei, Edo: Japão, 1848.

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