domingo, 28 de outubro de 2007

História do Mangá Parte 1

História do Mangá Parte 1
Por Tiago Bacelar
Sabe-se que o mangá está ligado à cultura nipônica. Para entender como tudo começou, é necessário voltar no tempo. Os historiadores dividem a história do Japão em várias Eras, sendo cada uma delas governada por uma dinastia diferente. No período Jomon (10.000 a.C. - 300 a.C.), houve à chegada do homem ao arquipélago japonês. As culturas paleolíticas do Japão pré-histórico deram lugar a uma cultura neolítica denominada de Jomon. Ela era caracterizada pelas habilidades tremendas que os homens tinham para a confecção de cerâmicas, cheias de detalhes, modeladas com as mãos e endurecidas a temperaturas baixas. Recentemente, os arqueólogos encontraram centenas de vestígios delas por todo o país.
Nessa época, existiu também um domínio de atividades como a caça e a pesca, contribuindo para a existência de uma sociedade com poucas divisões sociais. Na seqüência, no período Yayoi (300 a.C. - 300 d.C.), surgiu uma nova cultura, que começou na região de Kyushu, e, foi se estendendo lentamente por todo o país. Nela surgiram as primeiras técnicas para o cultivo do arroz irrigado e a fabricação de tecidos. As cerâmicas passaram a ser produzidas em altas temperaturas e os objetos foram confeccionados em ferro e bronze. O período Kofun (300-593) foi marcado pelo estabelecimento de uma forte autoridade política na região de Yamato, uma província no centro de Honshu, que cedeu seu nome a moradia oficial do imperador e depois a todo o antigo Japão.
Nessa época começou a aparecer às primeiras construções de túmulos gigantescos, voltados para o enterro das dinastias da elite conservadora japonesa. Esses lugares foram denominados de Kofun, em virtude da magnitude das obras. Em meio a todo esse contexto, o Budismo se instaura no Japão como uma religião. Com a chegada da regência do primeiro Shotoku e da promulgação da Constituição dos Dezessete Artigos, no início do período Asuka (593-710), o poder do imperador se fortalece ainda mais. Através dessas mudanças, o governo japonês queria implantar uma série de profundas reformas na política, no intuito de obter a centralização do poder e formar a classe da aristocracia japonesa. Em virtude disso, os oficiais locais oriundos de antigas famílias poderosas perderam todos os seus privilégios, fazendo com que no início do período Nara (710-794), um novo Estado fosse formado, totalmente inspirado nas bases da Dinastia Tang na China. Para tornar isso possível, o imperador mandou erguer, em 713, uma série de obras faraônicas como a cidade de Nara e o Grande Buda, na região de Todaiji.
Outro fato importante para a sociedade daquela geração foi à compilação da antológica série de poemas: Man'yoshu. Na Era Heian (794-1192), o governo decidiu transferir a capital para Heian, adaptando a política às realidades japonesas da época, cuja tentativa acabou fortalecendo a família Fujiwara e resultou no surgimento dos samurais. Esse período foi marcado também pelas guerras civis de Hogen, em 1156, e de Heiji, em 1159. Na área da literatura japonesa, a Era Heian proporcionou o desenvolvimento de livros de contos, como foi o caso de Genji Monogatari. Houve também a criação da letra Kana, a partir do alfabeto Kanji. No período Kamakura (1192-1333), o jovem Minamoto Yoritomo dá inicio ao shogunato da família Kamakura, que acabaria sendo influenciado pelo poderoso clã conservador Houjo.
Durante esse governo, o Japão quase foi invadido pelos mongóis. Em 1333, o imperador Godaigo derrota os Kamakura e traz de volta o poder concentrado nas mãos do Imperador. No período Muromachi (1333-1573), os Muromachi assumem o comando do Japão, e transferem a capital para a região de Kyoto. Ashikaga Takauji torna-se imperador. Em 1467, começa a famosa guerra Onin, onde todas as regiões do Japão entraram num conflito violento, que resultou na morte de milhares de civis e na introdução das armas de fogo. Em 1549, os portugueses, que haviam chegado às ilhas nipônicas seis anos antes, decidem introduzir o catolicismo na região, através do jesuíta Francisco Xavier. Esse fato marcante gerou o surgimento da cultura Higarashi Yama, que passou a pregar a meditação profunda do espírito e da mente. Na seqüência, foram erguidos os jardins de pedra e areia de Ryoanji e o templo de ouro de Kinkakuji, no intuito de fortalecer os vínculos dessa nova religião com a sociedade japonesa.
O período Azuchi Momoyama (1573-1603) começa com a destruição da dinastia dos Muromachi, sob a liderança do comandante Oda Nobunaga. Com o passar de 13 anos depois do ocorrido, Toyotomi Hideyoshi assume como imperador para tentar unificar o Japão, centralizar o poder em suas mãos e promover o desenvolvimento da cidade de Osaka. Em 1589, Hideyoshi põe em prática suas verdadeiras intenções ao proibir e perseguir o catolicismo, confiscar todas as armas, aumentar os impostos e invadir a Coréia, no intuito de transformá-la em colônia. Mesmo com toda essa turbulência interna e externa, o Japão instaurou a tradicional Cerimônia do Chá, chamada de Sado. Ao sair vitorioso na famosa batalha de Sekigahara, o clã Tokugawa dá início ao período Tokugawa (1602-1867), com a posse de seu primeiro imperador. Dessa forma, Tokugawa Ieyasu assumiu, em 1603, o governo como Shogun[1], estabelecendo, assim, a capital em Edo[2], e dando início a unificação do Japão. Essa figura histórica foi decisiva para a criação de um modelo, capaz de moldar para as décadas seguintes como seria ditada a vida dos japoneses, principalmente num contexto social, beneficiando várias instituições de cunho político e econômico. Os sucessivos Shoguns, designados pela Corte Imperial da Família Tokugawa, dominaram toda a nação por 265 anos, só sendo interrompidos por uma gigantesca guerra civil. O contínuo conflito, que tinha devastado várias regiões do país, especialmente a de Kyoto, também fez emergir um novo sistema de governo, que era ao mesmo tempo criativo e atrativo. Sob o comando de Tokugawa Ieyasu, os lordes feudais governavam seus respectivos domínios com poder absoluto sobre o povo e a propriedade. Ieyasu institui, em 1635, o Sankin Kotai, uma obrigação para os daimyo[3] de residirem em Edo, como verdadeiros hóspedes. Esse sistema já tinha sido implantado antes, no período Sengoku, de 1467 a 1567.
A essência do Sankin Kotai foi o de obrigar os lordes feudais a revezarem, em certos períodos, suas residências, que eram ou os seus próprios castelos ou o do Shogun da dinastia Tokugawa. Quando os lordes não estavam em Edo, eles eram obrigados a enviar membros da sua família como substitutos. Isso foi, basicamente, um sistema de hospedagem, aonde sempre deveria ter alguém morando junto ao imperador supremo do Japão. O Sankin Kotai envolvia muito mais do que uma submissão física. Isso, porque o daimyo era considerado uma pessoa de status na sociedade e tinha que manter uma mansão do mesmo nível dos castelos em Edo. Todas essas exigências do Shogun levaram os lordes feudais a perderem sua liberdade de agir sobre o dinheiro que possuíam.
Os daimyo queriam continuar exercendo um certo e apropriado grau de destaque e luxúria na sociedade. Esse declínio em termos financeiros foi gerado por enormes quantias de dinheiro gastas pelos lordes feudais para manter o grau de esplendor de suas mansões e castelos. Cavalos, comidas, transporte e entretenimento foram providenciados e arranjados para manter esse glamour. Além disso, sempre que havia uma mudança para Edo, vários servos e guardas[4] eram contratados para dar proteção e satisfazer as luxúrias dos lordes feudais. Normalmente, esse número chegava a cerca de 300 pessoas. Durante a vigência da Era Tokugawa, o total de perdas dos daimyo foi de 25% de todas as propriedades, que os mesmos possuíam antes da dinastia Tokugawa assumir o poder. O tempo desse revezamento castelo Edo – castelo lorde feudal era alternado em períodos de seis meses a um ano. O sistema de controle promovido por Ieyasu no país inteiro, levou o Japão da desunião do período Sengoku para o nacionalismo exacerbado dos séculos XIX e XX. Isso também causou um processo de crescimento acelerado do comércio nacional e do sistema financeiro porque os daimyo tiveram que vender produtos locais em mercados nacionais para arrecadar dinheiro suficiente para pagar a sua viagem para Edo. Essa região e Osaka tornaram-se pontos centrais do comércio nacional, que uniu a nação em termos econômicos até mesmo nos momentos em que o sistema político remanescente continuava descentralizado.
A implantação desse sistema também ajudou a trazer novas pessoas e idéias para o desenvolvimento de Edo e principalmente dos grandes centros urbanos do Japão como a região de Kyoto. Isso gerou o surgimento de uma fortalecida e unificada cultura nipônica cheia de tradições e regras, as quais muitas permanecem até hoje e que foram fundamentais para o surgimento do mangá décadas mais tarde. Quando o Shogunato da dinastia Tokugawa começou a perder poder, o Sankin Kotai foi abolido em 1862. Seis meses depois do seu fim, aproximadamente metade da população de Edo deixou a região para retornar para as suas casas e propriedades.
Os daimyo, ao deixarem Edo, desmantelaram suas mansões e levaram tudo o que tinha dentro delas com eles no caminho de volta para onde viviam antes. O século XVI chegou ao fim, com o Japão, sob o comando de três fortes lideranças, Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu. Eles guiaram o Japão para um sistema feudal rigoroso de governo, sociedade e economia. Nesse meio tempo, quando o Cristianismo[5] começou a avançar no Japão, Ieyasu percebeu que isso poderia estragar os seus planos de controlar a questão do porte de armas de fogo junto à população, e continuou com a perseguição aos adeptos dessa religião.
Em 1613, o shogun determinou a expulsão dos pregadores e a destruição de todas as igrejas cristãs. Ieyasu queria que os cristãos fossem convertidos ao budismo. Sete anos depois, a ação se repetiu, e muitos foram presos e deportados. No mesmo ano, os japoneses deram início às primeiras transações comerciais com a Coréia, Camboja e Tailândia. Os cristãos só deixaram de ser perseguidos, em 1857, quase no fim da Era Tokugawa. Em 1639, Ieyasu chocou os comerciantes nipônicos ao anunciar o fechamento das portas do país com o exterior, objetivando manter o Japão subjugado as suas regras. Entretanto, houve algumas brechas, através de negócios com alguns dos comerciantes holandeses, residentes da pequena ilha Dejima, na baía de Nagasaki, com chineses da região de Nagasaki e com enviados reais da dinastia Lee, da Coréia.
Por incrível que possa parecer, essas pessoas foram, por cerca de dois séculos, os únicos contatos entre o Japão e o mundo exterior. Sabiamente, os médicos japoneses conseguiram obter, através dessas pequenas transações, informações preciosas sobre a medicina ocidental, assim como, outros profissionais também se aproveitaram dessa situação para se aperfeiçoarem. No período Tokugawa, a população era dividida em quatro classes sociais: samurais, camponeses, artesãos e comerciantes. Como ocorre em toda sociedade, a desigualdade tornava a vida da maioria do povo muito limitada. Apesar de estarem numa posição elevada na pirâmide social, os camponeses não tinham permissão de deixar suas terras e pesados impostos recaíam sobre eles.
[1] Líder e Comandante Supremo do País.
[2] Atual Tóquio
[3] Senhores feudais autônomos.
[4] Esses guardas eram na sua maioria formados por samurais, em virtude de suas rígidas regras de proteger com a própria vida o seu senhor.
[5] No início deste século, existia cerca de 700 mil cristãos no país.

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