domingo, 28 de outubro de 2007

História do Mangá Parte 3

História do Mangá Parte 3
Por Tiago Bacelar
Com o fim da Era Tokugawa, o Japão entra na Era Meiji (1868-1911), e, o país é reaberto novamente para os estrangeiros. Com isso, os produtos ocidentais começam a chegar ao Japão e entre eles estão os quadrinhos ingleses e franceses de Charles Wirgman (1835-1891) e George Bigot (1860-1927).
Em 1857, o correspondente do jornal Illustrated London News, Charles Wirgmann, veio ao Japão para apresentar os quadrinhos ocidentais para a população em geral. Em 1862, ele começou a publicação da revista mensal de sátiras, The Japan Punch, que tirava um sarro de alguns modos estranhos do cotidiano japonês. Ela durou até 1887, tendo uma tiragem média de 200 exemplares.
Quando chegou ao Japão em 1882, Bigot casou-se com uma Gueixa e virou professor de Arte Moderna na Escola de Oficiais do Exército. Cinco anos depois, ele lança a revista mensal Tobae, assinando com o nome de Biko, que significa Belo e Bom. A publicação fazia uma sátira dos costumes orientais com a velha pitada do humor europeu. O estilo agressivo de Bigot, ao ridicularizar o governo japonês em suas treze páginas, fez com que ele entrasse em conflito diversas vezes com os principais representantes da elite conservadora e moralista do Japão.
Nesse período, Rakuten Kitazawa (1876-1955), influenciado pelos quadrinhos norte-americanos, criou o primeiro mangá com personagens regulares, que foi a obra Tagesaku to Mokube no Tokyo Kembutsu[1], publicada semanalmente na revista Jiji Manga. Curiosamente, ele conseguiu com esse título, popularizar a profissão de Jornalista no Japão. Kitazawa entrou para o mundo dos mangás com apenas 12 anos, quando começou a estudar pintura, na província de Taikonan, sob a tutela do renomado artista Yuekichi Fukuzawa. Ele aprendeu que era importante satirizar tanto a sociedade quanto o governo para se tornar um grande desenhista. Na seqüência, Kitazawa foi influenciado pelos desenhos ocidentais, ao receber aulas do australiano Franck Nankivel. Após isso, o seu trabalho foi reconhecido pelos europeus, especialmente franceses e espanhóis, segundo Naka[2], como “o primeiro desenhista japonês famoso internacionalmente”. A Era Meiji chega ao fim e o Japão entra na Era Taisho (1912-1925). Nessa altura, o mercado editorial de mangás apesar de recente já estava com características próprias. Dessa forma, o universo dos mangás, publicados em jornais e revistas nipônicas, passou a se centralizar em torno dos adultos. Os mangakas passaram a fazer revistas, cheias de tramas complexas, triângulos amorosos e assassinatos misteriosos. Como a maioria desses desenhistas eram funcionários de grandes veículos de comunicação, a mídia passou a usar esses temas como linha editorial para a produção de reportagens especiais. Elas poderiam vir, por exemplo, depois de uma longa investigação, com o desvendamento de algum escândalo ou assassinato importante, que tenha ocorrido em algum lugar do Japão. A repercussão junto ao público japonês foi grande, gerando uma aceitação importante para a fase que vivia o mangá.
Em 1912, depois de se formar na Escola de Belas Arte de Tóquio, o artista Ippei Okamoto começa a trabalha para o jornal Asahi Shimbun, onde lança o mangá Nakimushi Dera no Yawa[3]. Em 1921, ele vai à Nova Iorque, nos Estados Unidos, e descobre a revista Sunday Funnies. Impressionado com as diferenças culturais, Okamoto traz ao Japão alguns comics americanos como Mutt & Jeff para publicá-los na revista semanal Asahi Graph, em novembro de 1923. Nesse mesmo ano, o Japão sofre um grande terremoto, que vitimou cerca de 100 mil pessoas. Para alegrar a população, a mangaka Yutaka Aso publica, em 1924, Nonki na Otou-san[4]. O protagonista Nonto consegue superar os problemas da vida diária, com muita determinação, confiança e alegria.
Em 1914, na revista Shonen-kurabu, da editora Kodansha, estreou o mangá infantil Sho-chan no Boken[5]. A trama contava a história de um garoto chamado Sho e seu companheiro, o esquilo Shino, que acabam entrando em uma longa jornada através de mundos fantásticos, onde devia manter a paz, proteger a natureza e os animais. Tudo isso acontece depois que os dois se perdem em pleno deserto.
Esse mangá foi desenhado pelo mangaka Katsuichi Kabashima, conhecido como Tofujin. O roteiro ficou nas mãos do experiente jornalista Shosei Oda. Como um traço simples, Katsuichi conseguiu ganhar apoio da crítica e sucesso junto ao público, pois conseguiu fazer uma combinação perfeita da fantasia com o humor. Essa repercussão das aventuras de Sho pode ser vista até hoje no Japão, como por exemplo, o gorro de lã branco utilizado pelo personagem é ainda, segundo Luyten[6], “conhecido pelo termo Sho-chan-Bo[7]”. Curiosamente, Sho-chan ganhou em 1924 uma versão animada de oito minutos de duração, cujo autor é desconhecido.
Recentemente, essa pérola foi exibida na Filmoteca de Valência na Espanha, durante o Festival dos Pioneiros da Animação Japonesa. Com o sucesso de Sho-chan, os japoneses descobriram que Katsuichi aprendeu a desenhar, copiando ilustrações da revista National Geographic. Juntamente com Katsuichi, o mangaka Shigeo Miyao (1902-1983) foi um dos primeiros especialistas no Japão em mangás voltados para o público infantil. Em 1922, entra para esse mundo, com Manga Taro, que inicialmente foi publicado em tiras, pelo jornal Maiyu Shibun.
Em 1924, criou Dango Kushisuke Manyuki[8]. Essa obra girava em torno de um samurai, que usava sua espada como um espetinho de Mochi, um doce muito popular no Japão, feito com arroz no formato redondo. Em seu interior pode-se encontrar o Kinako[9], o Manju[10], o molho de soja e algumas algas marinhas. Esse título tornou-se um dos primeiros fenômenos de vendas no Japão, dando início a um processo de consolidação desses primeiros passos que o mangá estava dando no mercado editorial. Em 1927, segundo Schodt[11], “Manga Taro foi transportado para o formato de livro”. Depois dessa fase, Shigeo Miyao passou a se dedicar inteiramente ao desenho de ilustrações de paisagens do Japão e de seus habitantes no velho estilo do ukiyo-ê. Além disso, o artista escreveu centenas de livros sobre os mais diversos temas da cultura japonesa como os festivais e os tipos de artes que marcaram época.
No final dos anos 20, com o sucesso das obras de Shigeo Miyao, as editoras japonesas começam a investir em mangás para crianças, publicando-os em tiras de jornais e em revistas no formato de livro. Dessa forma, tivemos publicações adultas e infantis, criadas por mangakas especialistas na produção desses tipos de mangás. Essa época foi marcada, segundo Maruyama[12], “por uma grande explosão de revistas desenhadas por artistas japoneses. Esse processo tornou mínimas as chances de sucesso de qualquer publicação estrangeira no mercado editorial do Japão”. Um dos motivos para isso foi a notável diferença que foi sendo criada entre os mangás e os quadrinhos do ocidente, onde os mangakas desenvolveram um estilo cinematográfico, onde a imagem valia mais do que as palavras. Entretanto, como em toda regra existe uma exceção, nesse período foi lançado Speed Taro, de Sako Shishido. Depois de estudar arte por nove anos nos Estados Unidos, o artista passou a adotar nesse título várias técnicas dos comics. Além disso, o roteiro, cheio de aventuras e conspirações criminais, se parece muito com o de as Aventuras de Tintin. A última edição de Speed Taro saiu em 1930.
[1] Tagesaku e Mokube fazem Turismo em Tóquio.
[2] NAKAO, A. Tezuka Osamu, Connecting the World with Manga and Animated Cartoons. Tóquio, Japão: Kodansha Ltda. 1991.p. 87.
[3] Lendas do Tempo de Nakimushi.
[4] Papai é legal.
[5] As aventuras do pequeno Sho.
[6] LUYTEN, S.M.B. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses 2. ed. São Paulo: Hedra, 2000.p.111
[7] O gorro de Sho-chan.
[8] As Aventuras de Dango Kushisuke.
[9] Farinha feita com feijão e soja.
[10] Pasta Vermelha de doce de feijão.
[11] SCHODT, F., Manga! Manga! : The World of Japanese Comics,Tóquio, Kodansha International, 1993.p. 50-51.
[12]MARUYAMA, A.. Manga no kanzume: Tezuka Osamu to Tokiwa no nakamatachi. Tóquio: ed. Horupu Shuppan. 1993.p.32

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