sábado, 31 de outubro de 2009

Feridas de uma história latino-americana Por Tiago Bacelar


Falar em história nos países latinos é tocar numa ferida recente gerada pelas ditaduras militares e em conseqüência disto os desaparecidos políticos. Quem conta à história que aprendemos? É com essa proposta de fazer um cinema em busca da verdade, que encontramos como belíssimo exemplo o filme argentino A História Oficial, de Luís Puenzo.
Buscando trazer à tona o sumiço de bebês, filhos de mulheres presas pela ditadura argentina, o filme reverbera no espectador sentimentos de angústia e perplexidade com a violência imposta pelo regime à sociedade. Um exemplo disso é a genialidade de Puenzo em citar adaptando à sua realidade fílmica a épica cena do monólogo presente em Persona, de Bergman.
Diferente de uma aventura sexual na praia, em A História Oficial, os espectadores encontram novamente uma cena entre duas mulheres, amigas, uma loira e uma morena. Elas contam a história da experiência vivida por elas de tortura e assassinatos de companheiras de cela durante a ditadura.
Da mesma forma que em Persona, apenas o texto basta para construir na mente do espectador o que aconteceu com elas. Não precisa de imagens para mostrar o flashback. Emoções afloram. Acompanhado de um piano, desabafo, riso, choro, recordação, saudade e sofrimento refletem o sofrimento delas na alma do espectador.
A História Oficial tem um estilo bem característico de documentário, explorando depoimentos de personagens reais para aquele mundo construído diegeticamente. Vêem-se no filme também fotos, histórias de cada criança desaparecida e manifestações de familiares pedindo seus filhos de volta com cartazes.
A produção de Puenzo fez uma excelente reconstrução de época num belo trabalho de direção de arte. Nesse contexto entra os personagens principais. Alicia é uma professora de história, casada com Roberto, anarquista e subversivo. Ela sente remorso por seu marido em conivência com a Igreja ter roubado uma menina, hoje sua filha adotada, Gaby. O arrependimento de Alicia é mostrado pelas roupas de bebê, as quais Gaby usava no dia do crime, e pelo encontro inesperado com a suposta avó dela.
A História Oficial é um filme que vale a pena ser visto mesmo aprofunde ainda mais a ferida nascida pelo caos sombrio da história latino-americana.

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