sábado, 31 de outubro de 2009

Histórias do Brasil por Tiago Bacelar


Em 2004, já estávamos no segundo ano do primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva na presidência da República no Brasil. Esse ano foi um período do documentário brasileiro celebrar dois filmes de viés políticos: Entreatos, de João Moreira Salles, e Peões, de Eduardo Coutinho. Ambos os documentários retratam a vitória de Lula nas Eleições de 2002.
O documentário “Peões” cumpre bem o seu papel de atuar como um retrato histórico da esquerda no Brasil desde o surgimento da indústria automobilística em São Paulo, em 1959, passando pelo Regime Militar, as greves operárias no ABC entre 1979 e 1980, o nascimento do PT e a campanha presidencial de 2002.
Todas essas informações históricas são repassadas para o espectador, entremeadas entre os depoimentos, em cartelas de texto com fundo preto. Nesse aspecto, o produtor faz uma homenagem ao cinema mudo da Imagem-movimento.
Tal qual fez em Edifício Máster, Eduardo Coutinho intervém diretamente na concepção do produto final a ser veiculado. Ele procura agir de forma intimista com os entrevistados, jogando com as respostas deles e se utilizando de metalinguagem ao mostrar dentro do próprio filme como foi à escolha da linha narrativa do mesmo.
Os espectadores vêem através dos olhos dos participes do movimento grevista, memórias e lembranças ressurgindo de materiais de arquivo em vídeo e fotografias numa montagem ao mesmo tempo clássica e bastante fragmentada. Anônimos ganham vida na telona, reverberando nostalgias de um tempo. São pessoas do presente revendo imagens de um passado longínquo e distante.
Vemos que Peão é “duro que nem jacaré. Cumpre o horário. Bate cartão. Fica na frente da Linha de Montagem”. Além de temas como o sonho de voltar à terra natal, o confronto com a polícia, a violência, a exploração da classe trabalhadora e o sindicalismo, o documentário explora um ponto, em todos os depoimentos, que é o surgimento do mito chamado Lula. Ele é colocado como uma entidade maior que o PT, um ser ao mesmo íntimo e distante.
O trecho citado do Hino Nacional no filme “Verás que um filho teu não foge a luta” expressa bem essa idéia de mito. Somado a isso, reforçando essa tese, Coutinho usa propositalmente em Peões trechos de dois documentários da época: Linha de Montagem, salvo pela mulher do cafezinho, e Greve, de Joaquim Batista de Andrade.
Em Peões, os entrevistados são os espelhos, refletindo em nosso subconsciente, como espectadores, uma vivência do amor, da amizade, do companheirismo, do abandono, do sofrimento, da solidão e da solidariedade. Através da ideologia, religião e militância política, Eduardo Coutinho conseguiu com esse documentário, deixar um representativo e importante documento do legado da história política brasileira.

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