sábado, 31 de outubro de 2009

Um belo poema infantil da história latino-americana Por Tiago Bacelar


Fugindo do ponto de vista adulto da violenta passagem no Chile do Governo comunista de Salvador Allende para a ditadura perversa de Pinochet, Andrés Wood presenteou os espectadores com o filme chileno Machuca, produzido em 2004. A produção contou com suporte de recursos da Espanha, Reino Unido e França. Na ótica de duas crianças conhecemos esse importante momento histórico de outra forma.
Estamos em 1973, no Chile, na Escola inglesa para meninos Saint Patrick, dirigida pelo padre socialista Mc Enroe (Ernesto Malbran). Lá forma-se uma belíssima amizade entre Gonzalo Infante (Matías Quer), um garoto de classe média, e Pedro Machuca (Ariel Mateluna), morador de uma invasão, semelhante a uma favela brasileira. A união desses mundos distantes torna-se possível devido à política comunista de Salvador Allende de abrir as escolas para jovens pobres.
Mais do que tratar da questão política, o filme busca mostrar um momento em que as classes mais baixas chilenas estão politicamente mobilizadas, procurando mais direitos e forçando mudanças fundamentais. É um importante poema infantil de um momento marcante da história latino-americana com fotografia belíssima, música empolgante e interpretações fascinantes dos atores mirins.
Em meio à violência nas ruas, manifestações contrárias e a favor do regime de Allende, Pedro e Gonzalo embarcam numa linda aventura amorosa com a vendedora de bandeirinhas políticas Silvana (Manuela Martelli). Inúmeras descobertas vão nascer desse primeiro amor nascido no caos vivido pelo Chile nos anos 70.
O filme Machuca é guiado pelo olhar de Gonzalo sobre o mercado negro de alimentos, religiosidade, moral, método rígido de ensino, ditadura, tortura, comunismo e direitismo. A relação da produção de Andrés Wood com telenovelas, expressa pelo coronel de direita, Carlos Sotomayor (Pablo Krögh), que assume a Escola Saint Patrick no início da violência da ditadura de Pinochet, não é por acaso.
O nome do personagem foi inspirado no produtor de telenovelas sobre a história mexicana, Carlos Sotomayor, filho do cineasta de 91 filmes, Jesus Sotomayor. Curiosamente, Carlos Sotomayor também é o nome de um pintor chileno, considerado um dos principais expoentes do cubismo na América Latina.
O final trágico de Machuca revela o quanto mexeu naquela geração chilena a terrível passagem do governo de Allende para Pinochet. Nem mesmo a bela amizade de Gonzalo e Pedro, contrária a todos os preconceitos e violências sofridas, e o amor sublime com Silvana, não foram capazes de superar essa terrível mancha na história latino-americana. Andrés Wood conseguiu escrever um poema no meio da dor.

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