sábado, 31 de outubro de 2009

O cinema dentro do cinema Por Tiago Bacelar


Dentre as últimas novidades nas salas de cinema pelo Brasil, há uma grata surpresa. Depois de Kill Bill, os espectadores foram brindados com mais uma obra-prima do diretor Quentin Tarantino. O filme “Bastardos Inglórios” funciona como metáfora da história do próprio cinema.
São inúmeras referências e intertextualidades: Urso Judeu (alusão ao Urso de Ouro de Berlim); Golem (filme expressionista alemão); Chaplin; King Kong; Hollywood; Leni Riefenstahl (atriz e diretora de filmes nazistas como Triunfo da Vontade); Olympia (filme que mostra a vitória do negro Jesse Owens nas Olimpíadas de Berlim diante de Hitler); ator alemão Emil Jannings; e o livro “A Arte da Visão, Coração e Mente: Um Estudo do Cinema alemão nos anos 20” sobre o diretor de filmes de montanha, G.W. Pabst, que tinha como atriz de suas produções, Leni Riefenstahl.
O suposto filme de Joseph Goebbels, “Orgulho da Nação”, é uma alusão a “A Vitória da Fé”, produção de Leni Riefenstahl a pedido do chefe da indústria cinematográfica alemã e Ministro de Propaganda do Terceiro Reich. O filme relata a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha. Até mesmo, problemas técnicos do cinema como o material inflamável a base de nitrato das antigas películas em 35 mm é explorado por Tarantino.
O incêndio do cinema na França, carregado de nazistas, é uma metáfora dentro da diegese do real, pois inúmeras salas de exibição por todo o mundo, inclusive o Brasil tiveram esse mesmo final trágico por causa da alta concentração de nitrato na película. A violência excessiva do bastão de beisebol homenageia a épica cena do extintor de incêndio do filme Irreversível.
Por se tratar também de um filme ambientado na Segunda Guerra Mundial, Tarantino parodia e satiriza produções cinematográficas de ficção e documentários sobre esse período histórico. Uma bandeira branca da paz serve de “capa” para Hitler. Abusa da narração, de recortes de jornal, do típico herói de guerra, da idéia de “morrer pelo país”, da representação do mal e do cruel, e do clichê de deixar corpos espalhados por todo o filme. Não podemos deixar de comentar o fato irônico dos soldados do pelotão “Bastardos”, do tenente Aldo Raine (Brad Pitt) ser de judeus.
Num belíssimo trabalho de cinismo com o real, Tarantino mistura música de faroeste com Sinfonia de Beethoven, ataca de ópera na execução de judeus por nazistas, funde música pop estilo Kill Bill com violões de Tango Argentino para matar nazistas e de tambores de marcha militar no confronto de patentes baixas e altas. Com diálogos em inglês, francês e alemão, Bastardos Inglórios faz uma excelente reconstituição de época com magistral caracterização de personagens, de cenários e objetos cênicos como cartazes e outdoor encaixados primamente dentro da Mise-én-Scene.
Bastardos Inglórios põe Quentin Tarantino num patamar ainda maior no ranking de melhores cineastas contemporâneos. É filme que merece ser visto como um tipo de cinema, reflexo do próprio cinema.

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