sábado, 31 de outubro de 2009

Um metáfora do real por Tiago Bacelar



O Filho da Noiva, Réquiem para um Sonho, O Processo, Persona, Thelma & Louise, Morangos Silvestres e O Anti-Herói Americano são exemplos de um tipo de cinema construtor de tempos a partir do subconsciente de um personagem. Nessa narrativa, os espectadores são guiados pela alma e mente do personagem, nos identificamos com ele, refletindo nele um espelho de nossos desejos, angústias e sentimentos mais profundos.
É o momento dito por Roland Barthes na sala escura de hipnose completa, de mergulho no subconsciente freudiano, de encarnar e de atuar num ser presente num tempo e espaço diferente. A diegese passa a atuar como metáfora do real. Atuando como um ensaio psicanalítico radical em slow motion do adolescente norte-americano, Paranoid Park, dirigido por Gus Van Sant e baseado na obra de Blake Nelson, guia o espectador para um ambiente de profunda angústia interior.
É um mundo inquietante de desagregação familiar de montagem fragmentada, na qual o tempo psicológico constrói um tempo narrativo. Todo o filme baseia-se na perspectiva do protagonista, o jovem skatista Alex Tremain.
Dessa forma, a trama desenvolve-se de forma não-linear, se baseando nos fragmentos desconexos da memória de Alex. Podemos confirmar esse pensamento pelo fato de Paranoid Park repetir várias seqüências exibidas anteriormente, sempre acrescendo novas informações para o espectador.
Gus Van Sant provoca no público um reverberamento do silêncio no mundo diegético e no fluxo de consciência do subconsciente de Alex. O espectador incomoda-se com a morosidade daquele ambiente ao mesmo senil e alucinógeno, aonde nada tem importância. Até mesmo queimar numa fogueira o caderno com as memórias de Alex do Paranoid Park, uma representação do roteiro do filme, está valendo.
O que importa mesmo é jogar por jogar o drama psicológico. A história é irrelevante. O crime acidental no trem de carga não cria nenhuma emoção para os colegas de classe de Alex. Eles riem ao ver a foto do corpo do policial dividido em dois. Tudo é brincadeira. Os jovens não gostam da namorada, mas preferem continuar o relacionamento para satisfazerem seus instintos sexuais.
Há um evidente isolamento no personagem, com muitos planos em apenas ele aparece em foco. Devido à confusão mental de Alex, várias imagens são colocadas propositadamente embaçadas. O caos interior de Alex é representado pela cena dele num banco entre o matagal (morosidade de sua vida) e o oceano embaçado, cujas ondas espelham a única emoção vivida na noite do crime acidental no trem de carga.
É essa dualidade psicológica de Alex que marca o andamento do filme. Entramos no seu subconsciente, através de inúmeras metáforas visuais em slow motion, principalmente de crianças fazendo manobras pelas ruas com skates. A velocidade da câmera em Paranoid Park muda de acordo com os passos e o olhar de Alex.
Ele narra à história enquanto escreve. A primeira relação sexual com a namorada virgem Jennifer, a amizade entranha com Jared, a separação dos pais, o confronto com o detetive, tudo é mostrado do seu ponto de vista.
A trilha sonora bem eclética e juvenil de Paranoid Park indo pelo pop, Hip-Hop, Heavy Metal, Blues e Música Clássica revela a proposta de construir um tempo do ponto de vista mental do adolescente norte-americano. Nesse mundo diegético trazido por Van Sant, vagarosidade, morosidade e descompromisso com a vida bela e sublime kantiana caminham juntas.
A seqüência de imagens fílmicas gera uma memória afetiva no espectador. Ele afasta-se mais e mais daquela sala escura, se incorpora a luz do projetor e é guiado para dentro da diegese. O espectador assume o lugar de Alex, acompanha suas perspectivas de mundo, compartilha delas, está escrevendo a história com ele. Os espectadores querem saber mais sobre ele, conhecer seu eu interior e até mesmo assumir seu lugar refletido pelo espelho, elo da diegese com a metáfora do real.

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