sábado, 30 de junho de 2007

O Mundo dos Fanzines Japoneses

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
In Memoriam de Yoshihiro Yonezawa (falecido em 2006)
Entrevista feita por e-mail em 2005.
Com o aumento crescente de fãs no Japão é natural haver um interesse em desenhar mangás. Na terra do sol nascente, essas produções amadoras são chamadas de dojinshi e aqui no Brasil de fanzine. No Japão, o fanzine surgiu nos anos 60, pelas mãos do fã-clube oficial de Osamu Tezuka, criado pela própria Mushi Productions.
O objetivo deles era cultivar a amizade entre os fãs e os artistas, através de um veículo capaz de promover o estúdio junto aos leitores japoneses. Quando isso aconteceu, Osamu Tezuka quis publicar a revista Com, no intuito de gerar o surgimento de publicações de novos talentos para renovar o mercado editorial nipônico. Com o sucesso imediato, Tezuka e Masaki Mori passaram a trabalhar essa idéia, juntamente com os estudantes.
Apesar da tentativa de tezuka, os primeiros fanzines acabaram sendo feitos por desenhistas profissionais. Esse movimento gerou no final da década de 60 uma pequena explosão de fãs-clubes por todo o Japão. Seus integrantes passaram a produzir fanzines, que muitas vezes só circulavam entre pequenos grupos. Nesses passos iniciais do mangá amador surgiram grandes talentos como Hagio Moto, Fumiko Okada e Shinji Nagashima.
Até o começo dos anos 70, havia poucos fanzines publicados e clubes em atividade no Japão. Eventos de grande porte eram raros e mal organizados. Os fanzines tinham tiragens muito pequenas, e, em geral, eram produzidos por desenhistas profissionais que os faziam em seus momentos de folga e distribuíam entre si.
As produções feitas por estudantes raramente saíam da própria escola onde estudavam. Por outro lado, isso começou a mudar, quando três jovens de apenas 20 anos, Teruo Harada, Jun Aniwa e Yoshihiro Yonezawa decidiram tentar estabelecer o fanzine como forma de expressão artística legítima, objetivando buscar caminhos para a criação de um mercado com potencial de crescimento.
Por idéia de Yonezawa, o grupo decidiu organizar seu próprio evento de fanzines. Assim, surgiu em 21 de dezembro de 1975, a Comic Market, que ficaria conhecida como Comiket. Sua primeira edição foi realizada em Tóquio, e reuniu pouco mais 700 pessoas e cerca de 30 desenhistas. “Eu queria dar um espaço ideal para os mais jovens para eles mostrarem ao público suas criações no formato de mangá. Nele, eles poderiam trocar idéias para se aperfeiçoarem e também venderem a pequena tiragem dos seus dojinshis. Nesse período, o dojinshi não era considerado rentável para muitos mangakas amadores, pois para eles só vendiam os produzidos por desenhistas profissionais. Pensando em resolver esse impasse, eu criei com meus dois colegas de trabalho uma melhor divisão para os três dias da convenção. No primeiro haveria espaço para paródias de famosos mangás e Animês. No segundo teria os baseados nos jogos de vídeo-game. Por fim, no terceiro e último, abriríamos uma lugar para os dojinshis de roteiros originais, produzidos por amadores e profissionais”, contou Yoshihiro Yonezawa, Presidente da Comic Market.
Em agosto de 1986, a Comic market foi para o Harumi International Trade Fair Center, considerado na época o maior centro de convenções do Japão naquela época. Nesse grande período em que esteve no Harumi, a Comic market chegou à marca de 35 mil pessoas e quatro mil desenhistas. Com essa repercussão gigantesca, a Comic market deixou de ser uma mera convenção para se tornar uma empresa com sede própria e respeitada por editoras e desenhistas. Em virtude disso, Yoshihiro Yonezawa se tornou o presidente definitivo da empresa organizadora do evento. a convenção e também empresa, Comic market, conquistou, nesse período, sua posição como o principal pólo de encontro de fãs e de mangakas amadores no Japão.
A Comiket foi e é algo muito mais do que um simples local para se vender dojinshi. A partir da 50ª edição, realizada em agosto em 1996, a Comic Market mudou-se definitivamente para as dependências do Tokyo Big Sight, o maior centro de convenções de Tóquio, com cerca de 250 mil metros quadrados. Em 2005, o número de visitantes chegou a 510 mil pessoas e o de artistas vendendo seus fanzines a 35 mil. “O nosso principal intuito era oferecer também algumas oportunidades únicas aos amadores para expor e vender suas histórias. Além de dá-los a chance de conhecerem e trocarem idéias com outros artistas, buscando assim o desenvolvimento de sua carreira como desenhista”, disse Yonezawa.
Dependendo da fama do autor, essas publicações podem se esgotar logo no primeiro dia. A quantidade de exemplares vendidos chega a 10 milhões nos três dias da feira. Qualquer pessoa do ocidente, não acostumada com essas cifras, ficaria assombrada com a grandeza desses números da Comic market. Com todas as propostas cumpridas, o grupo provou que suas idéias estavam certas. Eles conseguiram transformar a Comic market num berço para o surgimento de novos talentos no mercado. Isso pode ser comprovado pelos próprios olheiros enviados pelas grandes editoras para o evento.
Os olheiros compram fanzines de desenhistas promissores para uma análise do seu conteúdo. Caso seja uma grande promessa, ele passa a ser disputado literalmente a tapa, principalmente, pelas editoras Shueisha, Shogakukan e Kodansha. Para tanto, elas oferecem mordomias, prêmios por produtividade e até uma comissão de lealdade, se o artista desenhar mangás para ela com exclusividade.

O contato com o desenhista é feito normalmente pelo telefone ou através do envio de um editor da editora a sua residência. Existem alguns casos registrados, que o fanzineiro diz não a proposta oferecida pelas empresas. As razões são várias. Desde o não interesse do autor em se profissionalizar, por desejar manter sua independência e liberdade de criação de suas histórias ou simplesmente porque o que ganha vendendo seus fanzines é mais que suficiente para sobreviver. No Japão, todos os artistas de renome, já passaram pela fase do fanzine, dentre eles: as garotas do Clamp, Kia Asamiya, Naoko Takeuchi e Watsuki Nobuhiro. Tudo isso prova o quanto a comic market é importante para o mercado editorial de mangás no Japão. Normalmente, o público que consome fanzines não é o mesmo que compra os mangás comerciais.
Isso ajuda principalmente numa divulgação gratuita das obras que se utilizam desse veículo. No Japão, o dojinshi só ganhou grande destaque na mídia e perante os otakus, depois do surgimento da maior convenção e feira do gênero no Japão, a Comic Market. A Comic market foi responsável pelo surgimento de um mercado editorial paralelo e auto-suficiente, quase rivalizando com os mangás, publicados pelas grandes editoras. A razão para isso é o fato desses fanzines possuírem um público fiel e certo para consumi-los. “Até hoje, o sucesso da Comic market deve-se a sua proposta de incentivar a criação de histórias novas e originais, que renovem o mercado de mangás. Para nós, não importa que a filosofia dos fanzines mude por pressão da indústria cultural de acordo com a cultura pop, pois a empresa Comic Market nunca vai mudar suas linhas de pensamento”, disse Yoshihiro Yonezawa. Pode-se concluir que o futuro dos mangás está nas mãos do dojinshi. Nesse exato momento, em alguma convenção no Japão, podem estar vários desenhistas de talento desconhecidos, que um dia, podem vir a serem tão famosos quanto um Akira Toriyama, ou, um Katsura Masakazu.

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