segunda-feira, 2 de julho de 2007

O Erudito nos Desenhos Animados

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Nos dias atuais, com a evolução das técnicas de animação de desenhos animados, principalmente no Japão e nos Estados Unidos, é natural que reflita na qualidade da trilha sonora dessas produções. Na quase totalidade dos desenhos animados, os produtores dão preferência por composições feitas por renomadas Orquestras Sinfônicas. Nos Estados Unidos é impossível não citar o clássico Fantasia, feito em 1940, pelos Estúdios Walt Disney, que combinou o Ballet Quebra-Nozes de Tchaikovsky com a Sinfonia número seis, a Pastoral, do período romântico de Beethoven. Na continuação de Fantasia, a Disney optou pela história da cidade de Nova Iorque contada, através do som de "Rhapsody in Blue" de George Gershwin.
Muito usado em desenhos animados ocidentais, Tchaikovsky era homossexual e sofreu muito com o preconceito e com as suas diversas desilusões amorosas. Essa experiência cruel ajudou no desenvolvimento de sua música, carregada de uma dramaticidade profunda, cheia de sentimentos e emoções. Nascido em 1840, na cidade russa de Votkinsk, Tchaikovsky aprendeu a tocar piano com apenas cinco anos. Desde pequeno nutria uma misteriosa paixão pela mãe, que o fez idealizar a figura feminina como algo sagrado e nunca como uma mera amante.
Ao completar 14 anos, sua mãe morre e Tchaikovsky entra em profunda depressão. Passam-se alguns anos e entra aos 20 anos para o Conservatório de Música de São Petersburgo, onde aprendeu a compor e a tocar piano e flauta. Em 1866 foi convidado para ser professor do Conservatório de Moscou, cujo cargo acabou contribuindo para a criação de sua primeira sinfonia, batizada de "Sonhos de Inverno". Entretanto, esse mesmo trabalho acabou levando-o a completa loucura, trazendo-lhe complicações intestinais, alucinações, enxaqueca e alucinações. Os médicos diagnosticaram que ele estava com neurastenia aguda e que podia morrer por isso.
Ainda em vida, Tchaikovsky fez uma série de concertos na Europa, onde teve sua obra aclamada. Ao ingerir um copo de água não fervido, em seis de novembro de 1893, aos 53 anos, acabou falecendo de cólera. Fez óperas como Undina (1869) e A Rainha de Espadas, o trio de Ballets – O Lago do Cisne, a Bela Adormecida e o Quebra-Nozes, seis sinfonias e quatro suítes mais a produzida para o Quebra-Nozes. O músico participou também das Aberturas de Francesca da Rimini, de Romeo e Julieta e de Hamlet. Entre seus concertos mais conhecidos estão Valsa-Scherzo, Concerto para Violino em D maior, Concerto para Piano No. Dois em G maior e Andante & Finale. Na parte vocal, Tchaikovsky esteve nas cantatas Ode to Joy e Moscow, nos corais “At Bedtime” e “Hymn in Honour of St. Cyril and St. Methodius”, nos duetos “My Genius, My Angel, My Friend” e Zemfira's Song (1860s), na Música de Câmara do Piano Trio in A minor, na Música para piano “Allegro” e “Moment Lyrique”.
Além de Tchaikovsky, Beethoven é muito utilizado em trilhas sonoras de desenhos animados, principalmente no ocidente. Considerado como o William Shakespeare da música no período romântico por suas noves sinfonias, o alemão Ludwig van Beethoven era filho de um pai alcoólatra, que o obrigava a levantar de madrugada da cama para tocar piano. Seu pai, Johann, foi um músico medíocre, que por sua frustração caiu no álcool. Johann queria transformar Beethoven a força num novo Mozart. Desde garoto, o jovem Beethoven sempre era obrigado a conseguir trabalhos ligados a músicas. Em meio a esses contratempos, Beethoven teve a sorte de ser acolhido pelo conde Ernst Von Waldstein, que disposto a transformar aquele grande talento em genialidade, o manda para Viana. Lá, Beethoven passa a ser aluno de nada mais nada menos que Mozart e Haydn. Dos dois músicos, foi Haydn que mais influenciou na formação de Beethoven.
Em 1796, Beethoven começa a tocar nos salões de Viena, e, ao mesmo tempo, para o seu desespero, chega à surdez progressiva. A deficiência transforma-o em um gênio, visto logo de cara na sinfonia de número três, a Eroica, e, a de número seis, a Pastoral, que acabaria se tornando numa espécie de composição essencial para a trilha sonora de muitos desenhos animados. Na última década de vida, Beethoven ficou completamente surdo. Mesmo assim, continuava a compor obras-primas. A falta de audição libertou sua maestria como compositor, dando-lhe a oportunidade única de criar uma música única, abstrata, nunca antes vista. E ela chegou três anos antes de sua morte, com a nona sinfonia. O sucesso fez com que Beethoven tentasse uma décima sinfonia, que acabou não sendo completada, em virtude de sua morte gerada por uma cirrose hepática em 26 de março de 1827.
Puxando para o lado das trilhas sonoras das animações japonesas, conhecidas por animes, é preciso contextualizar como a música nipônica é dividida. Tradicionalmente, ela pode ser clássica ou folclórica. Dentro do erudito ou clássico temos diversos estilos que surgiram durante as diversas eras culturais da história japonesa. Durante a era Nara (710-794) houve no Japão um forte intercâmbio cultural com a China. Neste período foi introduzido o Gagaku no Japão, que viria a se tornar a música da corte japonesa. O desenvolvimento musical se deu na era seguinte, a era Heian (794-1192). As músicas que vieram do continente asiático passaram por um processo de sofisticação passando a ter características claramente japonesas. O Gagaku passa a ser cultivado pela nobreza.
Ela é uma música solene muitas vezes acompanhado de dança, executado com instrumentos de sopro (o Sho – de harmônicas, o Hichiriki - flauta vertical de palheta simples, o Ryuteki e o Komabue - flautas horizontais), instrumentos de corda (Sô e Wagon - tipos de koto, harpas horizontais; Biwa - espécie de balalaika) e instrumentos de percussão (Taiko, Kakko, tsuzumi). Nas eras posteriores Kamakura (1192-1333) e Muromachi (1338-1573) houve o crescimento do teatro.
Tendo como base as apresentações cômicas populares (sarugaku) e as danças dos camponeses plantadores de arroz (dengaku) surgiu o teatro Nô. As peças eram acompanhadas por um coro de oito vozes (utai) e um conjunto instrumental (Hayashi) formado por uma flauta (Nokan) e três tambores (ko-tsuzumi, ô-tsuzumi - tambores portáteis pequenos e grandes, taiko - tambor fixo). O teatro nô era apreciado pela classe militar de alto escalão, que dominava o Japão na época. A Era Azuchi-Momoyama (1573-1603) apesar de curta foi muito fértil em termos culturais.
Foi nesta época que houve o estabelecimento e a consolidação das diversas artes tradicionais do Japão como o Ikebana e a Cerimônia do Chá. Musicalmente houve um grande desenvolvimento nos instrumentos. As flautas antigas evoluíram para o Shakuhachi, o Sô usado no Gagaku com cordas mais flexíveis ficaram mais brilhantes e se tornaram os atuais Koto, o antigo Biwa foi substituído pelo Shamisen espécie de banjo com três cordas percutidas por um plectro.
A união destes três instrumentos formou o Sankyoku. As eras anteriores foram marcadas pelas guerras internas que terminaram com a entrada da era Tokugawa (1603-1867). Com a ascensão da classe mercantil, o sankyoku adquiriu grande popularidade. Durante a era Edo, a música para Koto chamado Sôkyoku, era tocado quase que somente pelos cegos, e pelas mulheres e jovens dos comerciantes mais abastados e dos militares de grau mais alto, fazendo parte de sua formação cultural. Na primeira metade do século XX, com o advento das gravações e do rádio, o Sôkyoku, sofreu um processo de popularização principalmente pelas mãos de Michio Miyagi que incorporou técnicas e arranjos inovadores na antiga música do Japão.
O anime para a TV foi uma partida para um processo de normatização, e, como conseqüência, mudou a forma de produzir animes, seguindo a direção de Tezuka. A determinação dele trouxe também um novo conceito para, até então, jovem indústria de televisão japonesa. A animação tornou-se fluída o bastante para os espectadores, com o uso de seqüências rápidas e métodos de direção, reservados anteriormente só para os filmes com atores reais. Elas passaram a priorizar o uso de closes sobre os personagens, visando causar um impacto dramático sobre os japoneses.
Esse movimento gerou o nascimento de uma nova era de produção, onde os estúdios nipônicos deveriam criar projetos voltados diretamente para televisão. O primeiro resultado dessa fórmula de sucesso foi o aumento do número de estúdios de animação e de produtores, os quais estavam interessados em crescer até o ponto de atingir o espírito de pioneirismo trazido por Tezuka. Com o passar das décadas, a animação evoluiu e a música passou para por vários períodos. Chegamos, ao período moderno e contemporâneo, onde o anime e o Japão encontraram Joe Hisaishi, um dos seus fiéis representantes da atualidade.
Tendo aprendido a tocar violino aos quatro anos de idade, Hisaishi entrou em 1969 para o Departamento de Composição do Colégio Kunitachi, onde começou a se interessar pela música minimalista. Essa vertente tornou-se mais forte ainda quando foi chamado por colocar suas composições nas trilhas sonoras dos animes do Studio Ghibli, de Hayao Miyasaki, Toshio Suzuki e Isao Takahata. Sua genialidade como compositor foi reconhecida, principalmente por sua técnica afinada com o piano, por cidades como Nova Iorque e Londres, esta última onde vive hoje.
Hisaishi passou não só a dedicar-se a abrilhantar animações com suas composições, como também filmes para cinema e peças publicitárias. Outro caso interessante em se tratando de animes, foi à composição Lilium, criada para ser tema de abertura do desenho animado nipônico Elfen Lied. Canção lírica, totalmente em Latim, que relembra os bons momentos dos Cantos Gregorianos do período gótico da Idade Média, “Lilium” retrata uma passagem bíblica.
Com roteiro de Takao Yoshioka, direção de Mamoru Kanbe, produção dos estúdios VAP e Genco, Elfen Lied, que significa em alemão Canção Élfica, surpreende por ter seu nome inspirado na composição de Eduard Mörike e por contar com imagens da pintura “O Beijo”, de Gustav Klimt, que se encontra atualmente em Viena. É comum no Japão ver Orquestras Sinfônicas do próprio país ou até mesmo de outros países como Israel, sendo chamadas para compor a trilha sonora de séries como Evangelion, que contou inclusive com Carmina Burana, de Carl Orff. O uso de outros compositores como Mussorgsky, Listz, Chopin e Mozart e rapsódias húngaras em desenhos animados orientais e ocidentais é a prova que o erudito sempre esteve presente na magia dessas produções e vai continuar por muito tempo.

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