segunda-feira, 2 de julho de 2007

Orson Welles chega a Terra do Nunca

Texto por Tiago Bacelar (autor deste blog)
Baseado na obra “The Man who was Peter Pan”, de Allan Knee, o filme “Em Busca da Terra do Nunca”, dirigido por Marc Forster, brinca em vários momentos de ser Cidadão Kane. Logo de cara, Johnny Depp, que interpreta James Matthew Barrie, o criador da peça Peter Pan, observa a chegada do público as cadeiras do teatro por uma espécie de espelho retrovisor. A forma como a imagem é capturada para as telas é a mesma do artifício de Orson Welles no globo de vidro que cai das mãos do magnata Kane. Durante o filme, existe também uma parte, onde a câmera é colocada como se estivesse atravessando por debaixo da porta para chegar aos aposentos, onde Mary Barrie, esposa de James Barrie, que é interpretada por Radha Mitchell, está lendo pela primeira vez os esboços de Peter Pan feitos pelo marido.
Além desses dois exemplos, Forster brinca a todo o momento com a câmera, posicionando-a por trás de móveis, objetos e espelhos, dando efeitos bem interessantes. Há também uma presença muito forte de enquadramentos fechados, mostrando os detalhes dos gestos de cada personagem, nos mais diversos ângulos, realçados, muitas vezes, por tomadas aéreas das seqüências importantes do filme. Por se tratar de um filme inspirado em fatos reais, a ambientação, os cenários e os vestuários do filme são fiéis a Londres do começo do século XX. “Em Busca da Terra do Nunca” tenta durante toda a sua duração trazer uma mistura balanceada de interpretações próximas do real e do surreal, quando são mostradas as loucuras do criador de Peter Pan. A trilha sonora, composta por Jan Kaczmarek, remete ao espectador em todo momento o quão existem sonhos fantásticos nas histórias infantis, tão importantes para a imaginação das pessoas.
Fatos importantes na vida real de Barrie estão presentes no filme, como o encontro com a família Llewelyn Davies (Sylvia e seus filhos Michael, George, Jack e Peter, interpretado belissimamente no filme pelo jovem talento Freddie Highmore, e que serviria de inspiração para a criação do protagonista da obra que seria o maior sucesso da vida de James Barrie); a mudança na visão dos críticos da época, que deixaram de ver as peças de teatro como uma mera brincadeira, fato que contribuiu para o fracasso de muitas das encenações criadas por Barrie para a Casa Teatral de Charles Frohman (Dustin Hoffman); a morte trágica aos 13 anos do seu irmão David, vitimado por um acidente de Skate; e a tentativa de se aproximar de sua mãe Margaret Ogilvy se colocando até a morte dela como substituto virtual do irmão morto, assumindo a identidade dele. A mistura do “real” com a teatralidade numa obra de ficção é evidente na produção de Forster e tradicional em toda a cadeia da Escola Clássica Americana. No final, há espaço também para metáforas como a alusão da “Terra do Nunca” com a morte, onde as pessoas nunca crescem por estarem presentes na imaginação das pessoas que ficaram aqui na Terra e a sugestão de que a representação do “Crocodilo Tique-Taque” seria a curta duração da vida, onde o tempo é um grande obstáculo.
Na seqüência da encenação da peça Peter Pan, o fato de Forster ter colocado a atriz Kelly Macdonald para interpretar no filme o papel de Peter Pan foi uma alusão direta ao teatro japonês de Takarazuka, onde todos os personagens masculinos são feitos por mulheres. Em Busca da Terra do Nunca é um filme que cumpre o seu papel em misturar os elementos que geraram a criação de Peter Pan por James Barrie, não caindo no velho clichê desses filmes inspirados em fatos reais de contar o que houve após os eventos relatados na obra cinematográfica. E para quem for assistir ao filme, não esqueça sempre de dizer: “Para encontrar a Terra do Nunca, Basta acreditar Peter”.

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