terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Diário da filha de Benjamin Constant é editado


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u493889.shtml

"Acordei hoje ao toque de trombetas dos soldados e assustada levantei-me e soube então por mamãe que vieram de madrugada alguns oficiais para irem com papai para o quartel-general, pois receavam que o movimento para república rebentasse hoje."
Começa assim o registro que Bernardina Botelho de Magalhães fez do dia 15 de novembro de 1889, em seu diário pessoal. 
Aos 16 anos, a garota não era só uma jovem habitante da cidade do Rio de Janeiro. Mas, sim, filha de Benjamin Constant (1836-1891), líder militar e intelectual adepto do positivismo, um dos principais articuladores da conspiração golpista que depôs a monarquia e instaurou a República. 
"O Diário de Bernardina", lançado agora pela editora Zahar, reúne notas de cadernos escritos pela adolescente nesse momento de profunda transformação histórica do país. 
O texto foi estabelecido pelo antropólogo Celso Castro, professor da Fundação Getulio Vargas, e pelo historiador Renato Lemos, que leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os originais estão no Museu Casa de Benjamin Constant, também no Rio. 
O dia-a-dia de Bernardina não era diferente do de outras meninas de sua idade e condição social. Afazeres domésticos e preocupações com a saúde de pessoas próximas ocupavam a maior parte do tempo dessa típica filha de uma família de classe média ilustrada de então. 
Costurar camisolas, fronhas e meias; fazer doces; receber visitas e preocupar-se com parentes doentes praticamente preenchiam todos os seus dias. 
A princípio, a leitura dessas notas, que começam em 7 de agosto de 1889, é aborrecida, tamanha a repetição de ações e a confusão causada pela enumeração de diferentes personagens --familiares e amigos-- que frequentam a casa. 
Questão militar 
Mas, aos poucos, as movimentações do pai começam a chamar atenção, misturando-se à sua modorrenta rotina. Em 29 de agosto, relata: "Comecei o outro aventalzinho e, como Alvina não veio por causa da chuva, adiantei muito nele. Papai foi de noite ao Clube Militar." 
Bernardina, apesar da pouca idade e de não poder sair muito de casa, tem percepção aguçada. Sem entender bem o que era a tal "questão militar", de que o pai tanto se ocupava, a menina ainda assim dá-se conta de que algo importante para o país estava para acontecer. 
A "questão militar" foi a série de conflitos entre Exército e governo imperial que deu espaço à campanha republicana, vitoriosa em 15 de novembro. 
Nesse contexto, saltam aos olhos da garota as saídas repentinas de casa de um pai até ali profundamente dedicado aos filhos. Assim como seus encontros com oficiais, as noites passadas no quartel e as notícias de acalorados discursos que fazia a colegas de farda. Nas notas do diário, porém, o que ressalta mesmo é o tom de admiração e orgulho de Bernardina com relação a tudo o que ele fazia. 
"Às vésperas da República, não havia uma tensão social que se pudesse sentir de forma clara. Ela tampouco tinha noção de que o pai estava à frente de uma conspiração golpista. À medida que o tempo passa, percebe, mas apenas em parte, a relevância histórica do momento. Curiosamente, no final, a encontramos confeccionando algumas das primeiras bandeiras republicanas", contaram os pesquisadores à Folha. 
Para estes, Bernardina não teria notado, sequer, que o risco da operação que o pai orquestrava era imenso e que, se não desse certo, ele poderia morrer por integrar o conluio. 
A família vivia no Imperial Instituto dos Meninos Cegos, que Benjamin Constant dirigiu. Bernardina era uma das seis crianças do casamento entre Constant e Maria Joaquina da Costa. "Ele sempre foi muito apegado à família. Foi um homem que se fez pelo próprio esforço, trabalhou muito, estava o tempo todo endividado. Essas notas dão a dimensão de como eram simples os hábitos de sua casa e de quão dedicado ele era com os seus", dizem. 
Contribuição 
Os dois estudiosos encontraram os papéis de Bernardina em meio ao acervo do prócer enquanto realizavam suas pesquisas. Ambos os trabalhos, porém, pouco têm a ver com o teor essencialmente íntimo do material. Castro estuda a relação dos militares e a República, e Lemos publicou a biografia: "Benjamin Constant -Vida e História" (Topbooks). 

"Os diários são ricos especialmente para os adeptos da nova história, que hoje está tão em evidência. Permitem perceber a dimensão da grande história a partir da vida e do cotidiano do Rio da época." 
Há poucos registros do destino de Bernardina após a morte de Constant, em 1891. "Não se guardou muita coisa, pois a família deixou de estar em evidência. Não sabemos se ela continuou suas anotações", dizem Castro e Lemos. Tudo leva a crer que sua vida voltou a ser ordinária e familiar. Casou-se moça e morreu em 1928, aos 55. 
"O Diário de Bernardina"
Organização: Celso Castro e Renato Lemos.
Editora: Zahar.
Preço: R$ 29 (120 págs.).

Nenhum comentário: